1. O que é fissura labiopalatina ou lábio leporino (como é popularmente chamada)? Com que incidência ocorre na população?
As fissuras labiopalatinas (FLP) se encontram entre as anomalias congênitas mais comuns no bebê recém-nascido e são as mais frequentes das anomalias craniofaciais. Por anomalia craniofacial entende-se qualquer defeito ou lesão estrutural anatômica que acomete a face e/ou crânio e que ocorre durante o período de crescimento intrauterino da criança (gestação). A incidência da FLP oscila em 1 caso para 700 a 1000 nascimentos no mundo. E de uma para cada 650 nascimentos no Brasil. Essa anomalia ocorre bem no início da gravidez, propriamente no período embrionário do feto, até a 12ª (décima segunda semana de gestação, formação dos órgãos). A fissura isolada de lábio é mais comum no sexo masculino, e a de palato isolada ocorrem mais em meninas.
O diagnóstico da FLP pode ser realizado durante a gestação, por meio de exame de ultrassom no pré-natal por volta de 18-20 semanas de gravidez (4º-5º. mês), podendo ser visualizada a fenda quando tem lesão labial isolada ou associada à de palato, ou então poderá ser diagnosticada ao nascimento através do exame clínico do recém-nascido. É importante, logo após o diagnóstico, encaminhar a família (pré-natal) ou o paciente (nascimento) para um Centro Especializado em Anomalias Craniofaciais para receber as primeiras orientações sobre os cuidados com o bebê, principalmente a alimentação e prevenção de infecções de vias respiratórias e orelha média, e saber das etapas terapêuticas, bem como tirar dúvidas com relação a: presença de outras anomalias associadas, risco de morte, idade da cirurgia, falha de dentição, dificuldade de fala, perda auditiva etc.
A fissura que acomete o lábio ou o lábio até o rebordo alveolar (gengiva) é popularmente denominada lábio leporino e se forma até a 8ª. semana, enquanto a fissura de palato (goela de lobo) é formada até a 12ª. semana de gestação. A FLP pode ocorrer de forma isolada, vir associada a outras malformações ou como componente de diversas síndromes genéticas.
O quadro clínico da FLP é assim bem variado, desde uma forma leve como um entalhe no vermelhão do lábio até tipos de fendas bem complexas como as que acometem o lábio e o palato, com o comprometimento da estética, dentição, audição e fala. O tratamento deve ser todo ele realizado num Centro Craniofacial. São várias etapas terapêuticas e cirúrgicas envolvendo uma equipe interdisciplinar que irá acompanhar a criança, dependendo do caso, até o final da adolescência (20 anos).
2. Por que ocorrem as fissuras labiopalatinas? Há formas de prevenção?
As FLP são geralmente causadas por uma combinação de fatores genéticos e outros fatores chamados ambientais. Médicos não podem prever que determinada gravidez irá gerar um bebê com fissura, mas existem fatores de riscos que aumentam as chances do bebê nascer com esse tipo de anomalia. A combinação de fatores genéticos (hereditariedade familiar) em associação com fatores ambientais em que a mãe é exposta durante a gravidez podem resultar em uma criança com fissura, por exemplo: infecção congênita (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, herpesvírus, HIV); fumo; álcool; drogas ilícitas (cocaína, maconha etc.); deficiência nutricional da gestante; estresse; deficiência de ácido fólico; diabetes gestacional; hipotireoidismo; hipertensão arterial; medicamentos (anticonvulsivantes, corticóides, benzodiazepínico para tratamento de insônia ou distúrbios de ansiedade, isotretinoína (Roacutan), usado para tratamento de acne e de rejuvenescimento etc.). São todos fatores que se ocorrer gravidez concomitante são teratogênicos para o feto.
É possível a prevenção da FLP através do planejamento familiar, se um casal deseja ter um filho, ambos deverão passar por exames médicos para saber se estão em boas condições de saúde, tanto física, quanto mental e psicológica, isto é, ter um bom relacionamento entre eles e estar ciente da mudança de vida, das obrigações dos pais e a responsabilidade nos cuidados com a criança. Atualmente, em que os casais estão tendo filhos em idade mais avançada, alguns casos deverão ser encaminhados para o estudo genético e/ou genético-molecular.
3. Os bebês já passam por cirurgias? Quantas cirurgias, em média, são necessárias?
Além das cirurgias primárias – cirurgia do lábio aos três meses, cirurgia do palato com um ano –, as crianças com FLP podem necessitar de outras cirurgias secundárias para a melhora da estética do lábio, do nariz e da fala e correção estética do nariz na adolescência, cirurgia de enxerto ósseo alveolar, cirurgias otológicas e cirurgia ortognática do final da adolescência.
4. Crianças com fissuras labiopalatinas podem amamentar?
As crianças que nascem com fissura isolada de lábio podem ter pouca dificuldade para amamentação no peito, assim temos obrigação de orientar o aleitamento materno. Na impossibilidade dessa técnica, indicar o aleitamento artificial através da mamadeira. Indicamos a de bico ortodôntico que é recomendado para toda criança depois da cirurgia estética e funcional do lábio. Os pacientes com lesão do lábio e do palato têm comunicação do nariz com a boca, o tipo mais complexo de FLP apresenta maior dificuldade alimentar porque não forma o vácuo (devido à comunicação oronasal) necessário para a sucção normal e ordenha do leite. Nesse caso, a alimentação costuma ser trabalhosa, principalmente nos primeiros meses de vida, até que ocorra a adaptação do bebê e da mãe com a técnica de alimentação. As dificuldades mais comuns são:
- tempo prolongado de amamentação (mais de 1h),
- deglutição excessiva de ar (aumento de erupção e cólicas),
- cansaço e ingestão insuficiente de leite (irritabilidade pela fome até desnutrição),
- refluxo de leite pelo nariz (tosse, engasgos até aspiração do alimento para os pulmões).
Num Centro Especializado é oferecido todo o suporte técnico e também emocional ao paciente e sua família para que a reabilitação seja global – estética, funcional, psicológica e social, já que o nascimento de uma criança com fissura é sempre um trauma psicológico e o apoio da equipe é fundamental para a aceitação do bebê pelos pais e sua colaboração no tratamento.
5. Quais os tratamentos possíveis e como eles funcionam? E quando o tratamento deve começar?
O tratamento deve começar o mais cedo possível. A reabilitação completa envolve uma equipe multidisciplinar que idealmente deve trabalhar de forma interdisciplinar, trocando informações, somando experiências e favorecendo, desta forma, pesquisas e estudos que possam contribuir com a literatura científica e com novas técnicas de tratamento. Esta equipe, no Centrinho-USP, é formada por médicos pediatras, geneticistas, cirurgiões plásticos, neurologistas, neurocirurgiões, fisiologistas, nutrólogo, otorrinolaringologista, clínico geral, fonoaudiólogos, cirurgiões-dentistas de todas as especialidades (odontopediatras, cirurgiões bucomaxilofaciais, protesistas, endodontistas, ortodontistas etc.), fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, terapeuta ocupacional, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, assistentes sociais, biólogos, biomédicos, além de todo um suporte oferecido por equipe administrativa e de apoio.
Para complementar, ressaltamos o trabalho de prevenção dos distúrbios da fala em bebês, que é feito com os pais antes da cirurgia para a correção da fenda palatina. São realizadas orientações para evitar o desenvolvimento de alterações na produção dos sons da fala, além de orientações quanto ao desenvolvimento da linguagem e alimentação do bebê. O acompanhamento da audição também é realizado sempre que necessário. Após a cirurgia para a correção da fenda palatina, quando a criança ainda apresenta distúrbios na fala, é encaminhada para o tratamento fonoaudiológico na cidade de origem, com carta contendo orientações específicas para a fonoaudióloga.
O Centrinho-USP também oferece um programa de terapia fonoaudiológica intensiva, em que o paciente permanece na cidade durante um mês, com sessões diárias de tratamento para a fala. Este programa é oferecido para casos específicos e que não tenham recurso para o tratamento fonoaudiológico na sua cidade de origem.
Antes das cirurgias também é fundamental o trabalho da Odontopediatria, que garante a saúde bucal do bebê, evitando cáries e outros riscos de infecção que possam impedir a cirurgia.
6. E quais as consequências caso o problema não seja tratado (além do estético)? Fala e dentição ficam prejudicadas?
Com relação à fala, nem sempre a correção cirúrgica da fenda palatina proporciona uma fala normal, podendo ocorrer a hipernasalidade (voz fanhosa) e articulações compensatórias que são produções diferentes dos sons da fala. Portanto, são necessárias avaliações específicas como a avaliação perceptivo-auditiva da fala, nasofaringoscopia, videofluoroscopia, avaliações aerodinâmicas e audiológicas para se definir a conduta de tratamento dos distúrbios da fala e audição.
Do ponto de vista odontológico, nos casos de fissuras completas de lábio e palato, existe grande possibilidade de ocorrência de alterações dentárias de número, posição e estrutura nos dentes próximos à área da fenda, independentemente da realização dos procedimentos cirúrgicos primários. As cirurgias reparadoras do lábio e palato permitem um melhor alinhamento dos segmentos maxilares, mas, com grande frequência, estes pacientes necessitam de tratamento ortodôntico para correção de defeitos dentários e esqueléticos.
7. No Centrinho-USP o tratamento tem algum custo?
Atendemos pacientes de todo o Brasil. Hoje, só na área de anomalias craniofaciais são mais de 52 mil pacientes cadastrados. Todo o tratamento é oferecido via SUS (Sistema Único de Saúde).
8. Há acompanhamento (e até cursos e treinamentos) aos pais e familiares dos pacientes? Por que ele é tão necessário?
A família é convidada a participar do processo de reabilitação desde o primeiro dia em que chega ao Centrinho-USP. Como o tratamento pode ser longo, dependendo da complexidade do caso, é determinante que o cuidador esteja ciente de cada etapa e possa contribuir para o sucesso do tratamento. Assim, em cada setor, a cada conversa com um profissional da equipe reabilitadora, o cuidador recebe uma orientação. Desde os cuidados com a higiene bucal (fundamentais para que o paciente esteja em condições cirúrgicas) até orientações sobre alimentação e postura diante de futuros problemas na escola em virtude das alterações de fala ou até mesmo por possíveis casos de bullying pela anomalia facial. Tudo passa pelo cuidador, afinal, ele vai acompanhar a vida daquela criança. Anualmente, o Hospital realiza eventos e cursos, alguns destinados a pais e cuidadores.
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Fontes da equipe multidisciplinar do Centrinho-USP: pediatra Angela Patrícia Menezes Cardoso Martinelli; fonoaudióloga Cristina Guedes Gonçalves (chefe da Seção de Fonoaudiologia); e odontopediatras Beatriz Costa e Cleide Felício de Carvalho Carrara
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