Por Rubens Maciel*
O homem,
adulto ou criança, sempre sofreu com a dificuldade em manter sua atenção focada
e em conter sua impulsividade, entretanto, as condições sociais da sociedade
atual acentuam bastante estas disposições. Em nossa compreensão estas
tendências estão também relacionadas com o sentimento de insatisfação que faz
parte da natureza humana. Assim, a principal busca do homem é por felicidade,
seja de forma que implique projetos éticos ou de conforto e segurança, ou na
forma do prazer imediato, consumista, egoísta e inconsequente.
Há décadas
atrás, em um mercado de produção, o homem continha seus desejos e impulsos,
visando criar um patrimônio para a segurança de sua família. Os laços sociais e
familiares eram mais estáveis e o sentimento de inclusão e apoio era mais
intenso. Quando a sociedade passa para o modelo de consumo, a nova ordem é
buscar a satisfação dos desejos da forma mais imediata possível e a competição
e o egoísmo se intensificaram. O indivíduo passa a identificar a felicidade nos
objetos externos, na posse e no seu status social e profissional. A publicidade
cria slogans como “venha ser feliz”, associado a uma rede de lojas de
departamentos. As instituições, como a Igreja e a política caíram em descrédito
debilitando nossa confiança nos antigos valores, e nos parece que o
individualismo e o hedonismo ascenderam aos valores mais buscados na atual
sociedade de consumo.
O sentimento
de solidão e desamparo típico das grandes metrópoles pode ser verificado, entre
tantos outros exemplos, no recente fenômeno estudado nos EUA sobre o sentimento
de se sentir excluído denominado FOMO (fear of missing out). Jovens e adultos
que ficam freneticamente conectados em suas redes sociais ou celulares
procurando saber o que seus amigos estão fazendo, sempre com o medo de estarem
perdendo o melhor que possa estar acontecendo naquele momento.
Em uma
sociedade que adota como slogan “tempo é dinheiro” (tempo não é dinheiro, tempo
é o tecido de nossas vidas), a busca por informações e competências se tornou
obsessiva. As crianças que por sua natureza necessitam de um tempo maior para
elaborarem a compreensão do mundo, são levadas desde cedo a fazer cursos de
línguas, informática ou esportes acreditando que deverão preparar-se para um
mundo de competição feroz. Os adultos também são estimulados a possuírem varias
competências para manterem seus empregos. Todas estas condições propiciam uma
mente inquieta com forte tendência para fugir de nosso controle, alem de
aumentar nosso estresse crônico.
Este cenário
é o pano de fundo onde vivem os adultos e principalmente as crianças, que por
falta de capacidade elaborativa, assumem este modo de vida de forma não crítica
e como sendo a única forma de vida. Vivemos uma vida com pressa, competitiva e
individualista, onde os valores são externos a elas, onde não se estimula a
introspecção e autoconhecimento, onde não há mais confiança em valores éticos e
espirituais.
Estão dadas
as condições para a intensificação dos hábitos que estimulam as tendências à
distração e a agitação assim como podem agravar os sintomas de quem está
diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade.
A indústria farmacêutica.
A indústria
farmacêutica assumiu o lugar daquela que tem as respostas, químicas, fáceis e
imediatas, para as dores da existência. A popularidade das drogas para
ansiedade, depressão e o Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH) “parece”
representar um pequeno preço a ser pago para conter os sintomas das doenças de
fundo emocional. Esta abordagem materialista é muito rentável para a indústria
farmacêutica, mas profundamente debilitante para os indivíduos que se tornam
dependentes dela. Não queremos dizer que estas medicações não sejam uteis,
especialmente para combater os sintomas mais severos, mas eles não curam,
simplesmente aliviam os sintomas, podendo levar a dependência física e
psíquica. Portanto quanto mais cedo pudermos oferecer aos pacientes outros
métodos para a manutenção do equilíbrio e foco da atenção, melhor será para
todos.
O desenvolvimento da capacidade de
atenção.
A mente não
treinada assemelha-se a uma garrafa cheia de água e lama em constante agitação.
Nada podemos ver com clareza nestas condições, entretanto, se a agitação parar,
a lama repousa no fundo e podemos então ver com clareza através da água
límpida. Isto é o que a Meditação nos oferece, acalmar a mente e desenvolver
nossa atenção para podermos ver com mais clareza.
A mente não
apaziguada está sempre em busca de estímulos. Trabalha, estuda, acessa a
Internet, fala ao celular e nas redes sociais, e ainda mantém ligada uma TV com
60 canais e vai passando um por um, tudo ao mesmo tempo. Enquanto faz tudo isto
está pensando no programa do final de semana ou no treino que irá fazer na
academia.
No Ocidente
poucos sabem como treinar a mente, apaziguá-la, focar e manter a atenção. Isto é possível através da prática da
Meditação. Há tempos que a medicina chinesa é adotada no Ocidente pela
constatação de seu valor terapêutico. Os ensinamentos da psicologia hindu e
budista também vem sendo incorporados às sociedades ocidentais nas ultimas
décadas. Apesar da prática da Meditação ter origem na Índia e no Budismo, elas
são acessíveis a qualquer pessoa independente de sua orientação religiosa ou
filosófica.
As práticas
de Meditação desenvolvidas no Ocidente têm sido utilizadas como método de tratamento
e prevenção de transtornos emocionais como depressão, ansiedade, impulsividade,
e redução do estresse, assim como no controle da hipertensão arterial, e muitos
outros problemas de saúde e aprendizado. Seus benefícios têm estimulado os
profissionais de saúde a adotar a meditação como um método complementar de
tratamento e despertado o interesse da comunidade científica mundial no sentido
de comprovar seus efeitos e explicar seus possíveis mecanismos de ação na
manutenção e recuperação da saúde. Atualmente desenvolvemos um programa de
atenção aos funcionários e pacientes do Centro de Saúde Geraldo de Paula Souza
da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Nós podemos,
sistematicamente, otimizar nossa capacidade de atenção, reforçando esta
habilidade mental da mesma forma que trabalhamos os músculos de nosso corpo. A
mente destreinada oscila entre a agitação e o tédio, a inquietação e o enfado.
Este treinamento chamado de Shamata é o caminho do desenvolvimento da atenção
que culmina em uma atenção que pode ser sustentada, sem esforço algum, durante
muitas horas. O treino da atenção, por intermédio da Meditação, tem trazido uma
quantidade enorme de benefícios para as pessoas que sofrem os efeitos doentios
da vida moderna como ansiedade,
consumismo e ritmo acelerado.
Quando a
atenção está comprometida, ela se distancia de tudo o que fazemos e, quando é
bem focada, ela aperfeiçoa tudo o que fazemos. A prática do Shamata não requer
nenhuma filiação ou concepção religiosa ou ideológica. Ela é a chave para o
equilíbrio mental, cujos benefícios são acessíveis a qualquer pessoa que
persevera em sua prática.
A faculdade
da atenção nos afeta de várias maneiras. Nossa percepção da realidade está
relacionada bem de perto com o foco de nossa atenção. Somente àquilo que
prestamos atenção nos parece real, enquanto que o que ignoramos, não importa o
quão importante possa ser, se transforma em algo insignificante. A realidade
que se nos apresenta não é tanto aquilo que existe, mas sim aqueles aspectos do
mundo nos quais centramos nossa atenção.
A atenção
tem um profundo impacto no caráter e no comportamento ético. A capacidade de
trazer de volta, constante e voluntariamente, uma atenção divagante é a
principal raiz do julgamento, do caráter e da vontade.
Os grandes
gênios das ciências, da musica, dos esportes primam por sua capacidade de
sustentar voluntariamente a atenção. Para a realização de uma grande obra é
imprescindível uma extraordinária capacidade de focar a atenção com um alto
grau de clareza, por longos períodos de tempo.
Estudos científicos sobre a
meditação.
A meditação
tem sido amplamente estudada e aplicada no âmbito da saúde, da educação, dos
esportes e até na criminologia.
A profusão
de estudos sobre os benefícios da meditação realizados na América do Norte,
Europa e Ásia, pode ser encontrada em um dos mais importantes sites de
referências científicas sobre saúde denominado PubMed. No Brasil instituições
de ensino e pesquisa com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP), Hospital Albert Einstein, Universidade de
Campinas (UNICAMP), Universidade de Brasília entre outras vem estudando os benefícios
desta técnica.
No Brasil, o plano de política
nacional de práticas integrativas e complementares do SUS, apoiado pela
Organização Mundial da Saúde, oficializou a implantação da meditação como
método complementar para a melhoria da qualidade de vida dos usuários do
Sistema e, atualmente são oferecidas práticas de meditação em alguns hospitais
e postos de saúde.
A prática da
meditação tem efeito sobre o sistema endócrino reduzindo a produção do
cortisol, hormônio diretamente associado ao estresse; sobre o sistema
neurológico aumentando a produção de endorfinas e melhorando o funcionamento de
regiões do cérebro responsáveis pelo sentimento de bem-estar, assim como mudar
o padrão básico da frequência cerebral que passa atuar com frequência mais baixas
o que proporciona maior capacidade cognitiva, criatividade e atenção; o sistema
imunológico é beneficiado na medida em que com a redução do estresse ele passa
a funcionar melhor.
A mente aquietada e focada diminui os pensamentos
obsessivos e autorreferentes, tem ação direta sobre a impulsividade, aumenta o
senso de responsabilidade pessoal, melhora a autoestima e as relações
interpessoais e melhora o estado de humor. Pesquisas
confirmam que meditadores que praticam a anos diminuem visitas ao médico e hospitalizações
em até 70%, e que há mudanças estruturais positivas em algumas regiões do
cérebro, principalmente àquelas relacionadas a atenção.
Meditação nas escolas.
A prática da
meditação nas escolas é altamente recomendável. A técnica é bastante simples e
pode ser administrada em grupos. Professores e facilitadores que adquiram o
conhecimento e aprendam a prática podem administrá-la a seus alunos utilizando
apenas 10 minutos por dia com excelentes resultados.
Os principais
efeitos surgem logo nas primeiras sessões, e se pode esperar uma grande
diminuição da agitação e ansiedade e um foco inicialmente voltado para as
próprias emoções, desejos, expectativas e comportamento. Uma diminuição da
impulsividade e do autocontrole também são encontrados em um breve espaço de
tempo. A Atenção Focada e Sustentada é alcançada paulatinamente com a prática
constante.
OBS: grifos nossos.
* Rubens Maciel é psicanalista, Doutor pela Faculdade de Saúde
Pública da USP, Pós-doutorando em Psicobiologia
na UNIFESP, Instrutor de Técnicas Meditativas
no Centro de Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, Member of the Shambhala International Meditation Center, Pesquisador pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq, Colaborador no Serviço de
Promoção de Saúde do HCFMUSP e Professor universitário. Participou do Papo de Mãe sobre Déficit de Atenção e Hiperatividade como especialista convidado. Site: www.rubensmaciel.com.br. E-mail: [email protected]
ATENÇÃO!
Clique aqui para acessar o vídeo em que o Dr. Rubens explica como meditar.