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Na TV Brasil

quinta-feira, 31 de maio de 2012

AS DORES DA ENDOMETRIOSE (Gapendi)

Oi Pessoal!

O texto abaixo foi enviado pelo GAPENDI- Grupo de Apoio às Portadoras de Endometriose e Infertilidade, idealizado e formado por portadoras de Endometriose que conhecem bem como é conviver com uma doença tão dolorosa, enigmática e difícil de tratar.

Todas as participantes vivenciaram (e ainda vivenciam) as dores que a Endometriose causa, tanto físicas quanto emocionais. Porém, ao se unirem, percebem que a amizade e o apoio mútuo podem fazer toda a diferença nesta árdua jornada.

Desta forma, o GAPENDI surge para somar-se aos demais grupos de apoio já existentes, com o propósito de fortalecer e ampliar o importante trabalho de levar a informação correta sobre a Endometriose, alertando a todas as mulheres e à população em geral sobre a gravidade desta doença e a necessidade constante da busca por um diagnóstico precoce e tratamento adequados.

O Grupo também tem por objetivo lutar pelo reconhecimento da Endometriose como doença de saúde pública no Brasil, a fim de reivindicar tratamento gratuito e de fácil acesso a todas as portadoras. Além disto, o GAPENDI preocupa-se em oferecer apoio e assistência às portadoras, através de palestras, encontros, blogs e comunidades virtuais, bem como convênios e parcerias com clínicas e médicos capacitados em diagnosticar e tratar a endometriose.

Contatos:
Blog- http://eutenhoendometriose.blogspot.com.br/
Grupos no facebook- https://www.facebook.com/groups/gapendi/ https://www.facebook.com/groups/256009377808452/
Página no facebook- https://www.facebook.com/pages/Endometriose-Online/169479026486463


AS DORES DA ENDOMETRIOSE
Fonte: Gapendi

Pode parecer estranho falar em "dores", no plural, mas a endometriose é muito mais complexa do que podemos imaginar! Conhecê-la, cada vez melhor, é fundamental!

A DOR é um tema central em endometriose, e isto não é novidade para nenhuma portadora! Mas, não é apenas a dor física que aflige e atormenta as "endometrióticas". Há um outro tipo de dor, também causada pela doença, que pode ser até bem pior do que aquela que sentimos no corpo!

Tenho certeza de que as mulheres com endometriose sabem do que estamos falando, mas pensamos em publicar este texto para que outras pessoas leigas no assunto - maridos, namorados, pais, irmãos, amigos - possam compreender o sofrimento que há por trás daquela frase que tantas vezes repetimos: -"Estou com dor!"

Vamos, então, conhecer os principais Tipos de Dores causadas pela Endometriose:

*A DOR FÍSICA DA ENDOMETRIOSE

1) DOR DA CÓLICA
Cólica: uma palavrinha bem familiar para as mulheres! De acordo com a Wikipédia, a cólica é uma dor que ocorre em órgãos ocos, especialmente estômago, intestino e útero. Caracteriza-se por ciclos de dor intensa, com aumento gradual da intensidade até um pico e depois melhora lentamente. Neste texto, nos interessa conhecer a cólica do tipo menstrual, ou como é conhecida pela medicina: Dismenorréia. É importante falar que a cólica de quem tem endometriose é diferente da cólica de quem não é portadora da doença. Muitas vezes, esta diferença é ignorada pelos médicos e é aí que mora o perigo! Vamos compreender melhor: A Dismenorréia (ou cólica menstrual) pode ser divida em Primária ou Secundária. A Dismenorréia Primária é a cólica regular que atinge 50% das mulheres em idade fértil. Costuma aparecer logo após as primeiras menstruações e não é causada por nenhuma doença, por isto é chamada de "primária". Tende a desaparecer com o final do período menstrual e não está presente nos outros dias do ciclo. A dor, neste caso, vai e volta, e é provocada por uma substância chamada "prostaglandina", que acompanha a descamação do endométrio pelo útero (menstruação). Geralmente, este tipo de cólica pode ser aliviada com bolsa de água quente, remédios naturais ou anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). Na Dismenorréia Secundária existe uma causa para a dor. Costuma aparecer após alguns anos da primeira menstruação, ou em decorrência à alguma doença que a mulher tenha desenvolvido. A nossa doença está entre uma das causas deste tipo de cólica. No caso da endometriose, a cólica é a das mais fortes. Sentida em toda região pélvica, pode aparecer com grande intensidade antes, durante e depois da menstruação e piora a cada novo ciclo. No início da doença, é facilmente confundida com a cólica regular das mulheres, pois pode começar com baixa intensidade e melhorar com anti-inflamatórios. Geralmente os médicos só passam a desconfiar que é endometriose quando a paciente reclama de fortes dores pélvicas e abdominais que a impossibilitam de trabalhar, estudar e levar uma vida normal. Em suma, a cólica da endometriose não é uma simples dorzinha. É uma dor constante que não passa com qualquer anti-inflamatório e que muitas vezes precisa de medicamentos controlados para melhorar.

2) DOR NA RELAÇÃO SEXUAL
A Dispareunia, dor na relação sexual, é uma das queixas mais frequentes entre as portadoras de endometriose. Em geral, aparece quando a penetração é profunda e tende a ser mais intensa no período pré-menstrual. A dor é tão incômoda que muitas mulheres passam a ter sua vida sexual prejudicada.

3) DOR PARA EVACUAR
Como já falado em nosso blog, a endometriose pode atingir órgãos importantes, como o intestino. Conhecida como Endometriose Pélvica Profunda, trata-se de um estágio avançado da doença e que não responde bem ao tratamento clínico. A dor para evacuar, especialmente durante a menstruação, é um dos sintomas da presença da endometriose neste órgão, além disto pode haver constipação intestinal, distensão abdominal e em casos mais severos, sangramento no momento da evacuação (enterorragia).

4)DOR AO URINAR
A Endometriose Vesical (que atinge a bexiga) é provavelmente a causa da dor e/ou desconforto que certas mulheres sentem para urinar. Este sintoma pode ser confundido com outras doenças do aparelho urinário, como por exemplo a "Cistite". No entanto, a característica marcante deste tipo de dor é que ela se intensifica muito durante a menstruação, ou seja, para estas mulheres um ato simples como "fazer xixi" pode se tornar uma experiência dolorosa e frustrante.

* A DOR "NA ALMA" DA ENDOMETRIOSE:
Quando falamos em dor pensamos em uma "sensação" mas, vivenciando a endometriose descobri que a dor é mais que isto, é também "emoção". Corpo e alma são atingidos pela dor da endometriose e é por isto que muitas vezes, mesmo após um correto tratamento cirúrgico, algumas mulheres continuam sentindo fortes dores pélvicas, como se nunca tivessem sido tratadas. Talvez seja a tal "memória de dor" que alguns médicos gostam de dizer que temos! Seja como for, o fato é que as consequências desta doença são tão severas que começamos a sentir uma dor que vem de dentro, do nosso interior, do lugar mais profundo da nossa alma. É uma dor de quem está de luto, pois perdemos muitas coisas importantes para nossa vida em decorrência desta doença. Vejamos algumas:

1) A DOR DA INFERTILIDADE
No pacote de sintomas da endometriose está a tão temida Infertilidade. Logicamente, nem todas apresentam este sintoma, mas muitas mulheres, que possuem dificuldade para engravidar, são portadoras de endometriose. E ser infértil é algo que dói demais! Eu costumo dizer que é como levar uma facada no peito todos os dias, é como uma ferida aberta que nunca cicatriza, é como perder um filho que nunca pôde ser gerado... Mesmo a adoção, como muitas pessoas sugerem, nem sempre cura o desejo de ver a barriga crescer, de sentir as dores do parto, de ser capaz de gerar uma vida. O que mais dizer sobre esta dor? Não há como descrevê-la e garanto que só quem vive a infertilidade sabe o que estou falando.

2) A DOR NA VIDA PROFISSIONAL
A endometriose pode ser uma grande destruídora da carreira profissional e da independência financeira. Devido às dores, muitas mulheres simplesmente não conseguem levantar-se da cama para ir trabalhar. Algumas ultrapassam seus limites e trabalham se contorcendo de dor. É muito difícil ter que explicar ao chefe esta condição e na maioria das vezes ninguém no ambiente de trabalho consegue compreender. É frustrante e doloroso perder o emprego por causa desta doença. Sentimos como se fôssemos inúteis, como se em nós, não existisse aquela "força de mulher" que todos falam.

3) A DOR NA VIDA CONJUGAL
Como falamos, a endometriose causa dor na relação sexual. E, para algumas mulheres, dói de tal forma, que ter relações é quase uma violência! Infelizmente nem todos os parceiros são compreensivos e muitas mulheres sofrem por isto. É doloroso não poder dar e nem receber prazer, pior ainda é ser abandonada por isto.

4) A DOR NA VIDA SOCIAL
Infelizmente muitas portadoras de endometriose acabam entregando-se à doença. Não aguentam as dores, os tratamentos sem fim e sem resultados, os efeitos colaterais das medicações. Tudo isto vai fazendo com que elas se isolem, se afastem do convívio com outras pessoas, dando espaço para a depressão.

CONCLUINDO... Apesar deste quadro dramático de dor, muitas portadoras são obrigadas a ouvir (certamente de pessoas que não entendem nada da doença) que estão com "frescura", ou "fingindo" a dor. É até compreensível que os outros pensem assim, afinal, não é possível ver, através da pele, para observar o tamanho da inflamação que uma portadora de endometriose tem em seus órgãos pélvicos. Mas, sem dúvida alguma, a endometriose nos traz um outro tipo de dor que não é exatamente aquela sentida em alguma parte do nosso corpo, mas sim dentro da nossa alma.

A depressão, o sentimento de "vazio", a sensação de estar "sozinha" e "esquecida" são resultados das dores da endometriose, tanto as físicas quanto as emocionais. Muitas portadoras sofrem em silêncio, pois não são compreendidas ou têm medo de expor seus sentimentos. É muito difícil "carregar" esta doença, e é muito difícil falar de todas estas dores que a endometriose nos causa. Porém, acredito que quanto mais espaço tivermos para expor nossos aflições e nossas dores, melhor iremos nos sentir.

Além disto, é importante que as pessoas que convivem conosco também possam conhecer e tentar compreender a dimensão da dor que a endometriose nos causa. E, apesar de não ter abordado sobre "como reagir" nestes textos, quero deixar claro que existem soluções para todas estas dores e é perfeitamente possível conviver bem com a doença.

GAPENDI- Grupo de Apoio às Portadoras de Endometriose e Infertilidade

***
# FICADICA

Outros sites interessantes para quem quiser saber mais sobre ENDOMETRIOSE:
IAPE – Instituto de Apoio e Pesquisa à Endometriose – www.iape.org.br

ABEND - Associação Brasileira de Endometriose: www.endometriose.org.br
PORTAL DA ENDOMETRIOSE: www.portaldaendometriose.com.br
BLOG  A Endometriose e Eu:  http://aendometrioseeeu.blogspot.com.br/

Quem tiver mais alguma sugestão, por favor, sinta-se à vontade para escrever em nossos comentários.

E, para finalizar, uma dica de leitura! A Autora, Maria Helena Nogueira, foi uma de nossas convidadas no programa!


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Aspectos Psicológicos na Endometriose - por Solange Melo*


A Endometriose é uma doença que atinge, atualmente, um número grande de mulheres e, muitas delas, nunca haviam ouvido falar da doença, antes de receber esse diagnóstico que, muitas vezes, pode levar anos para ser detectado, acarretando, assim, um enorme desgaste físico e emocional.

Em geral, a mulher vive dúvidas e angústias com esse diagnóstico, além de uma série de frustrações e conflitos como raiva, ansiedade, revolta e medo - sentimentos comuns em todas as pessoas que se descobrem com uma doença crônica.

Sintomas físicos e emocionais presentes na doença

Os sintomas mais comuns são a dor e a infertilidade. Existem estudos que demonstram um tempo de início do sintoma até o diagnóstico definitivo de até aproximadamente oito anos para a dor e de cinco anos para a infertilidade. Nesse meio tempo, muitas são as crises de ansiedade pelas quais as mulheres passam.

Sentimentos de irritabilidade, tristeza, falta de prazer na vida como um todo, incapacidade são comuns a essas mulheres que, muitas vezes, precisam recorrer a uma psicoterapia para conseguir suportar tamanho peso emocional.

Quando acometida da dor, ela vai gradativamente deixando de lado as tarefas diárias e, com o passar do tempo, acaba adaptando a sua vida com a presença ou não da dor, o que é por si muito limitante. Frequentemente, ela se afasta do convício social e até começa a apresentar dificuldades nos laços afetivos. A família, muitas vezes, sem saber como ajudar, assim como os amigos, acaba se afastando, o que só agrava um quadro que já é, por si só, difícil. E essas mulheres acabam, muitas vezes, desenvolvendo um quadro de depressão que, se não for tratado, trará graves consequências, dentre elas, o agravamento da doença em si já existente.

Se sentir sozinha e com sentimentos de inferioridade são sentimentos recorrentes na vida dessas mulheres. E, infelizmente, nem sempre esses sentimentos são tratados pelas pessoas que as cercam com a devida atenção e com o devido respeito.

O objetivo de considerar o aspecto emocional no tratamento da endometriose, é compreender a associação existente entre esse fator, a doença e seus sintomas para estabelecer um tratamento mais afetivo, garantindo atenção para as queixas físicas e emocionais.

A ansiedade presente na vida de muitas pessoas pode aumentar a dor já existente e reconhecer essas situações e sentimentos que interferem na sensação dolorosa faz com que a pessoa consiga controlar melhor a sua dor. Nosso corpo é uma unidade onde tudo acontece em conjunto. Reconhecer a influência de suas emoções no enfrentamento da endometriose certamente fará com que essas mulheres se sintam mais seguras para superar as dificuldades naturais do tratamento.

Traços de Personalidade

Alguns traços de personalidade são observados com frequência nas mulheres portadoras de endometriose. São eles: perfeccionismo, autoexigência, dificuldade em lidar com os próprios erros, enorme capacidade de controle e comando, enorme objetividade na hora de organizar tarefas, necessidade de manter o controle de tudo sempre, tendência a assumir os erros dos outros, elevado coeficiente intelectual, egocentrismo, mecanismos de defesa altamente estruturados, onipotência e dificuldade em lidar com as próprias emoções.

Endometriose X Modernidade

Considerada uma doença do mundo moderno, ela tem como o stress seu fator mais importante no seu desenvolvimento e tratamento. Atualmente, a mulher é extremamente cobrada de diversas formas pela sociedade e por ela mesma e essa cobrança se inicia na infância. O resultado é se sentir sobrecarregada e com vários e pesados conflitos emocionais. Numa tentativa de corresponder às expectativas externas, essa mulher, muitas vezes, passa por cima de si mesma e até mesmo desconhecendo os seus reais interesses na vida. Muitas fazem coisas não porque de fato desejam, mas sim porque é isso que esperam delas. O resultado disso não pode ser coisa boa, evidentemente. E tudo isso em nome de ser amada, aceita e inserida no contexto social e familiar.

Nem sempre é possível se retirar os fatores estressores, mas pode-se tentar mudar a própria relação com eles. Os sintomas físicos do stress são: taquicardia, mãos geladas, respiração rápida, agitação física, dor de estomago, falta de apetite, insônia, dentre outros. Lembramos que um pouco de stress é normal, mas tudo tem que acontecer dentro de limites saudáveis. E vale lembrar que quando tais sintomas acontecem é porque já ultrapassamos os nossos limites e por isso mesmo o corpo grita num sinal de socorro. Parar ou não é uma escolha nossa, mas, certamente, qualquer que seja ela, pagaremos um tributo com isso.

Tratamento do stress

Mudanças de hábito podem ser bastante saudáveis no combate ao stress. Colocar obstáculos a essas mudanças em nada ajudará, e devemos ter claro sempre que nós somos os principais responsáveis pela nossa vida e, consequentemente, pela nossa saúde. Acreditar que a cura de qualquer doença virá única e exclusivamente de medicações prescritas pelos médicos é tentar se livrar de toda e qualquer responsabilidade pela própria saúde, pois a medicação só faz efeito quando a agressão é detida de forma eficaz.

Devemos assumir o comando de nossas vidas e lembremos que nosso corpo e nossa mente agem permanentemente em total e absoluta harmonia. Mudar hábitos de vida que adoecem o nosso corpo é acima de tudo, uma consequência natural da nossa autoestima e também na saúde física e emocional. Nós colhemos apenas aquilo que plantamos. Vivemos numa sociedade em que não ter tempo para nada é “chique”, é valorizado. Não se cultiva mais o ócio criativo, o simplesmente não fazer nada de vez em quando, tudo em nome de um falso “status”, que na verdade só nos levará a patologias as mais variadas.

Aspectos emocionais da Infertilidade

Sentimentos de enorme inferioridade sufocam as mulheres que passam por esse problema. Criadas numa sociedade em que o ponto máximo da feminilidade é a maternidade, a esterilidade é uma bofetada no ego já machucado dessas mulheres, gerando culpa, revolta e tristeza profunda. E isso nada mais é, muitas vezes, uma punição inconsciente por se mutilar durante anos, passando por cima dos próprios desejos e das próprias necessidades. Tudo tem um preço na vida, não devemos nos enganar a respeito disso, e às vezes ele é bem alto!

Reflexão final

Toda doença crônica, seja ela qual for, exige do paciente um trabalho permanente no sentido do seu bem estar e da superação dos percalços inerentes à patologia. Desistir e se entregar é sempre o caminho mais fácil, mas certamente não melhor a ser seguido. Contar com a ajuda da família e de amigos é de fundamental importância. Mas nem sempre isso é possível, bem sabemos. Então, nesses casos, sugerimos que a mulher conte com aquela que de fato mais deve querer o seu bem estar: ela mesma! Fácil não é, mas também não é impossível, pois frequentemente subestimamos a nossa capacidade e, por conta disso, perdemos o melhor da vida, em muitos momentos. E ajuda especializada existe e de qualidade. Para se beneficiar dela, é só tomar a atitude em favor de nós mesmos!



*Solange Melo é Psicóloga, Psicanalista e Psicoterapeuta de adultos, casais e famílias em São Paulo e Diretora do Gabinete de Psicologia em São Paulo. Já participou do Papo de Mãe como especialista convidada. Contato: [email protected]

terça-feira, 29 de maio de 2012

O que é Endometriose? Por Dr. Maurício Simões Abrão

O que é Endometriose?
Prof. Dr. Maurício Simões Abrão*
Fonte:  www.iape.org.br

A Endometriose corresponde ao implante do endométrio fora da cavidade uterina. Ocorre mais frequentemente nas cavidades pélvica e abdominal, acometendo o peritônio ou mais profundamente órgãos como o ovário, bexiga e/ou intestinos. Menos frequentemente, pode ser encontrada em diversos outros locais do corpo humano.
Os focos de tecido endometrial, localizados fora do seu habitat natural, continuam sendo estimulados mensalmente pela ação hormonal do ciclo menstrual e funcionam como “corpo estranho” ao local de implantação, provocando reação inflamatória ao redor de si, causando dor no período menstrual.
Com o tempo, o processo inflamatório desencadeia a formação de aderências ao redor do foco de endometriose entre as estruturas vizinhas, dificultando a mobilidade e função da estrutura acometida, causando dor pélvica crônica e até esterilidade.
Os pequenos focos podem crescer e se espalhar, levando a consequências variáveis, de acordo com sua localização.
Nos ovários, podem produzir cistos de conteúdo sanguinolento, chamados de endometriomas ou cistos “chocolate” pela aparência do sangue espesso coletado dentro daquele órgão. Tais cistos, eventualmente, atingem grandes proporções.
No peritônio, uma das principais sedes de implantação, acomete mais frequentemente os ligamentos úteros-sacros, levando a sua retração. Este fato pode determinar a tração do útero para trás, determinando a retroversão uterina, fator que colabora com a dor nas relações sexuais.
Entre os sintomas de acometimento intestinal citamos a dor às evacuações e sangramentos anais no período menstrual, com eventual obstrução do trânsito das fezes.
Sua presença na bexiga pode determinar ardor ao urinar, urgência miccional ou hematúria (urina com sangue).
Em cicatrizes de cirurgias ou partos formam nódulos (“caroços”), que podem crescer e se tornar dolorosos no período menstrual, sendo conhecidos como endometriomas de cicatrizes ou de parede abdominal. Outros sítios mais distantes podem com menor frequência ser alvo da doença. Em cada local, a sintomatologia usualmente relaciona-se com o período menstrual.
Fato pouco compreendido, a intensidade dos sintomas, nem sempre se relaciona com a severidade da endometriose. Mulheres com grandes focos diagnosticados podem apresentar sintomas leves, enquanto em outras mulheres, com mínimos implantes, a dor pode ser insuportável.
Sintomas da Endometriose
O crescimento do tecido endometrial em locais incomuns causa os sintomas desagradáveis da doença, que se traduzem basicamente em dores crônicas, infertilidade ou alterações intestinais ou urinárias.
Dentre os sintomas de dor, destacam-se a dor durante a menstruação, caracterizando as cólicas menstruais. Estas cólicas, muitas vezes, não melhoram com medicações (e são consideradas severas) ou requerem repouso (ditas incapacitantes). Outra variedade de dor é a dor na relação sexual, principalmente na penetração profunda, que tende a se intensificar no período pré-menstrual. Por fim, quando a doença se intensifica, podem surgir dores fora da menstruação.
Como sintomas intestinais, habitualmente “cíclicos”, ou seja, que se intensificam no período da menstruação, há a diarreia, dor para evacuar, obstipação (prisão de ventre) ou sangramento intestinal.
No trato urinário, a paciente pode se queixar de dor para urinar durante a menstruação, alteração do hábito urinário ou até sangramento na urina.
Diagnóstico da Endometriose

Diagnóstico Laboratorial

A busca de métodos laboratoriais para o diagnóstico da Endometriose tem ocupado espaço importante entre os estudiosos do assunto. Vários “marcadores” foram propostos e o mais utilizado no diagnóstico da Endometriose é o CA 125. É um marcador descrito inicialmente para o câncer de ovário, mas, que com o tempo foi observado que doenças benignas como a Endometriose podem apresentar positividade deste exame em portadoras da doença.
Em pacientes com hipótese diagnóstica de Endometriose, quando nos deparamos com CA 125 aumentado durante a menstruação, principalmente com valores acima de 50 mg/ml, suspeita-se de doença nos estádios avançados. O encontro de valores inferiores a estes se associa à ausência da doença ou a presença de endometriose nos estágios iniciais, sendo fundamental a observação dos outros métodos diagnósticos.

Diagnóstico Clínico
O diagnóstico inicial é feito através da identificação dos principais sintomas das doenças. Cólicas menstruais severas, dores na relação sexual, dores entre as menstruações, dificuldade para engravidar ou alterações intestinais ou urinárias durante a menstruação fazem o médico pensar em Endometriose.
O exame físico é arma fundamental no raciocínio sobre a doença. O exame do abdome, do colo do útero e o toque vaginal são as três etapas do exame fundamentais para o diagnóstico. A palpação abdominal pode revelar aumento abdominal, massas palpáveis e dores localizadas. O exame do colo do útero pode nos informar sobre possíveis implantes da doença no colo ou na parede vaginal.
O toque vaginal é recurso clínico fundamental, pois pode revelar a posição do útero, aumentos ovarianos, dores atrás do útero e, principalmente, nódulos profundos e dolorosos que representam a Endometriose profunda.

Diagnóstico por Imagem
Dentre os exames ditos por imagem, destacam-se o ultrassom transvaginal, a ressonância magnética e, mais recentemente, a ecoendoscopia retal, também chamada de ecocolonoscopia.
Laparoscopia

Lavelmente é o melhor método para se diagnosticar a Endometriose, assim como para se iniciar o tratamento da doença. É feita por pequenas incisões na parede do abdome. A primeira, com 1,5 cm, é realizada no interior da cicatriz umbilical, serve para introduzir-se uma ótica, que é um tubo metálico com 10 mm que permite a visualização da cavidade abdominal. Este local permite melhor resultado estético.

Faz-se mais duas (eventualmente mais três) no terço inferior do abdome, em geral, dos locais que correspondem às extremidades de uma cicatriz de cesárea. Através destas incisões, introduzem-se pinças e tesouras com as quais se aborda a doença.
Dentre as vantagens desse procedimento, destacam-se a melhor capacidade de enxergar pequenos focos da doença, melhor recuperação pós-operatória, menor custo terapêutico e menor internação hospitalar.
A videolaparoscopia pode utilizar a eletrocirurgia convencional ou o laser. O laser representa recurso válido para se tratar alguns tipos de endometriose como a doença de peritônio ou de diafragma.
Microlaparoscopia
É um tipo de laparoscopia realizado por pequenas incisões. Os instrumentos têm 2 a 3 mm de diâmetro e este procedimento é indicado quando não há evidência de endometriose avançada. É um recurso promissor para o diagnóstico e tratamento da Endometriose.

Causas da Endometriose
Várias teorias tentam explicar as causas da Endometriose sem, contudo, elucidar definitivamente a etiologia do processo. Talvez, a associação dessas teorias consiga explicar melhor o processo. Descreveremos de forma objetiva, a seguir, as principais teorias:
Restos embrionários: Foi a primeira delas, descrita por Russel em 1899. Baseou-se na suposição de que células de origem Mülleriana (remanescentes do período embrionário da mulher) poderiam apresentar potencial para desenvolver tecido endometrial fora de seu sítio original. Contudo, não houve sustentação científica definitiva, pela distribuição anatômica divergente e restrição da doença ao período reprodutivo das mulheres.
Metaplasia celômica: Relatada em 1919 por Meyer, representou a primeira teoria completa sobre a formação da Endometriose. Tal autor justificou a doença por possível transformação do peritônio pélvico em tecido endometrial, levando à formação de focos de Endometriose. Hoje essa teoria é pouco aceita, por não explicar a presença de Endometriose em locais onde não existe peritônio.
Menstruação retrógrada: Representa uma das principais explicações para o desenvolvimento da doença. Foi descrita por Sampson em 1921, que concluiu que haveria durante a menstruação, “regurgitação” tubária de células endometriais, ou seja, apesar do endométrio ser expulso do útero em grande parte pela vagina, uma mínima quantidade poderia alcançar a cavidade pélvica através das tubas uterinas sem obstrução. Uma das justificativas para sua credibilidade é o fato de que a doença apresenta maior acometimento dos ovários e ligamentos úteros-sacros, coincidente com a desembocadura das tubas uterinas. Por outro lado, o fato de 90% das mulheres com tubas normais apresentarem menstruação retrógrada e a maioria delas não desenvolver endometriose, além da possibilidade do encontro da doença em lugares alheios a esse mecanismo, fizeram com que surgissem outras hipóteses.
Disseminação linfática e hematogênica: Sugerida pela primeira vez por Halban em 1935, procurou justificar o encontro da doença em lugares distantes. Baseou-se no achado de tecido endometrial microscópico em vasos linfáticos e linfonodos. Posteriormente, Sampsom, em 1927, relatou a via sanguínea para o transporte de tecido endometrial. A carência de maiores estudos impediu que essa teoria tivesse maior destaque.
Disseminação latrogênica: Frequentemente observamos endometriose em cicatrizes de cirurgias prévias, como as abdominais ou partos. Baseado nesse fato, Greenhill, em 1942 aventou a possibilidade de que fragmentos endometriais poderiam ali permanecer, desencadeados pelo procedimento cirúrgico.
Imunológica: A mais moderna e de fundamental importância. A partir de 1980, crescentes estudos relacionaram endometriose com alterações específicas da imunidade celular, que constitui parte do sistema de proteção do organismo humano. O fato de que apenas 10% de todas as mulheres com menstruação retrógrada desenvolviam endometriose contribuiu para a busca desse fator. Dmowski em 1981 postulou que a deficiência na imunidade celular ou incapacidade de reconhecer o tecido endometrial implantado fora do útero poderiam ser responsáveis pelo desenvolvimento da doença. A participação do sistema imune na endometriose é clara, mas o mecanismo real desse processo permanece obscuro. A teoria imunológica confirma a teoria multifatorial, que se baseia em múltiplos fatores associados para explicar os mecanismos da Endometriose.
Fatores familiar e genético: Apesar da dificuldade no diagnóstico de endometriose em gerações anteriores, pela não disponibilidade na época de métodos atuais, vários autores propuseram a influência familiar na gênese da doença. Malinaak em 1980 mostrou que a presença de endometriose em parentes de primeiro grau está associada à maior gravidade do processo. Contudo, nenhuma relação com herança genética é descrita.
Nas últimas décadas, grandes avanços foram obtidos sobre a endometriose. Todavia, novos estudos ainda são necessários para a elucidação completa desta moléstia, com benefícios no controle da sua progressão. Este fato será de grande importância, pois apesar dessa moléstia não possuir potencial de malignidade, como o câncer, a endometriose tende a progredir e prejudicar a qualidade de vida das pacientes. Por esta razão, buscamos no dia a dia, desvendar os mistérios que a cercam.

Formas de Tratamento
O tratamento da Endometriose pode ser clínico ou cirúrgico. Em geral, reservamos a indicação cirúrgica para casos nos quais há sinais de doença avançada (pelo exame clínico, ultrassom e/ou pelo CA 125 dosado no sangue) ou nos casos onde houver falha no tratamento clínico para portadoras de doença inicial.
O principal procedimento cirúrgico indicado é a laparoscopia, que permite visualizar, a partir de pequenas incisões abdominais, os pontos afetados e neles fazer a intervenção necessária, utilizando-se de laser ou cautérios. Em casos de cistos ovarianos causados pela Endometriose, conhecidos como endometriomas, há necessidade da retirada deste cisto, através de cuidadosa separação cirúrgica do ovário normal do cisto ou faz-se a cauterização de focos da doença no interior do cisto.
Em casos mais graves, além da cirurgia é ainda necessário bloquear temporariamente, por meio de remédios, o funcionamento ovariano da paciente, impedindo a ação dos hormônios sobre os focos de endométrio e o desenvolvimento de novas inflamações. A utilização de medicamentos, porém, não leva ao que se pode considerar uma cura da doença, que ainda não foi descoberta.
As substâncias químicas são simplesmente uma forma de controlar seu desenvolvimento e impedir suas consequências mais extremas. Apesar da possibilidade de a endometriose reaparecer, sua administração é totalmente viável, principalmente quando não se perdem de vista os aspectos emocionais nela envolvidos. As pílulas combinadas ou os dispositivos intrauterino (DIUS) medicados com progesterona são alternativas terapêuticas.
A Endometriose não tem cura, mas ela pode ser tratada e seus sintomas amenizados, possibilitando melhor qualidade de vida para as portadoras. Nas últimas décadas, grandes avanços foram obtidos. Todavia, novos estudos ainda são necessários para a elucidação completa dessa doença, bem como para progressos no seu tratamento.
***
* Prof. Dr. Maurício Simões Abrão é médico ginecologista e obstetra, professor associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), responsável pelo Setor de Endometriose da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e Presidente da Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva (SBE). Também  é membro do Conselho da Sociedade Mundial de Endometriose (WES) e da Associação Americana de Ginecologia Laparoscópica (AAGL) e autor de vários livros, entre eles "Endometriose: uma Visão Contemporânea" (Editora Revinter). Participou como especialista convidado do Programa Papo de Mãe sobre Endometriose, exibido em 27.05.2012. Contato: www.medicinadamulher.com.br
Leia também:

segunda-feira, 28 de maio de 2012

ENDOMETRIOSE: RELATO DE DANIELE BALBINO


Olá!
Nosso papo esta semana é sobre ENDOMETRIOSE, tema do programa de ontem.
Conforme prometido durante o programa, segue a íntegra do relato da Daniele Balbino, de Cidade da Serra –ES, a quem desde já agradecemos por compartilhar sua história.
O relato foi originalmente publicado no blog “A Endometriose e eu”, da jornalista Caroline Salazar, que participou como convidada em nosso programa, e teve sua divulgação autorizada pela própria Daniele. Confiram!
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A HISTÓRIA DA LEITORA DANIELE BALBINO E SUA ENDOMETRIOSE
Fonte: Blog A Endometriose e Eu
“Sou a Daniele Balbino Rocha Rangel, técnica em Enfermagem, moro na cidade da Serra, na região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo e tenho 33 anos. A minha história com a endometriose começou cinco anos após ter realizado a cesárea de minha filha, hoje com 16 anos. Comecei a sentir cólicas fortes, a qual nunca tinha sentido antes. Mas pensava ser normal, já que sempre ouvi dizer que, depois de ter filhos, o nosso corpo pode mudar quando estamos no período menstrual. Por isso achei que fosse a mudança pós-gravidez, e fui levando por mais alguns anos, quando passou de cólicas fortes a cólicas insuportáveis. A essa altura, eu já tinha dificuldade para urinar quando se aproximava minha menstruação. Aliás, uma semana antes, uma irritabilidade grande me assolava e quase não urinava, embora a bexiga estivesse cheia. Eram inúmeras idas ao banheiro na tentativa de esvaziar a bexiga. Eu chegava a chorar e a ficar 30, 40 minutos sentada em vão no vaso sanitário. Fui a uma médica, que me disse ser normal o que eu sentia, mas solicitou um ultrassom endovaginal. Confesso que me acomodei, já que a doutora havia dito ser normal o que eu estava sentindo. E, por mais dois anos, não me importei com os sintomas. Quando chegava esse período, eu tentava em vão me livrar das dores, e tomava até quatro comprimidos de dipirona seguidos. Passei a ter vontade de evacuar toda vez que ia ao banheiro urinar, e passei a notar também que a minha urina saía rosada. Em 20 de Outubro de 2008, tive uma crise violenta de TPM (tensão pré-menstrual), e comecei a comentar meus sintomas, com o médico urologista com quem trabalho. Foi aí que o dr. Robson Canhamaque disse-me que, pelos sintomas que descrevi, poderia ser endometriose.

Durante nossa conversa comecei a sentir fortes dores, e pedi licença para ir ao banheiro. Ele também já estava de saída, pois atenderia em outro local, mas disse que era pra procurá-lo no dia seguinte no hospital em que estaria. Continuei trabalhando, pois a dra Martha Sperandio ainda estava em atendimento. Continuei, com muitas dores, e muitas idas ao banheiro, e se quer conseguia sentar. Por fim não tinha mais urina, mas sim, eu estava tendo um sangramento uretral, saía coágulos de sangue ao invés de urina. Assim que acabou o expediente, a doutora me levou ao hospital e pediu que fosse feita uma medicação em mim, e que me levaria ao hospital militar, onde já fui dependente, para me internar. Como a dor havia passado, após a medicação, eu disse que não seria necessária a internação. Ela me deixou em casa, e a partir desse dia, as coisas pioraram. Bebo muita água diariamente, mas desde que recebi a medicação, eu não urinei mais. Dormi até determinada hora. Mas quando foi 2h da manhã, o meu tormento começou. Estava com uma bexiga muito inchada, e chorando por querer urinar, mas não conseguia. As 5h, minha mãe acordou com meu choro e ela me levou ao hospital militar, onde o dr. Robson dava expediente. Fui deitada no banco de trás do carro. A dor era tanta que não conseguia se quer sentar. Ao chegar lá, o dr. foi ao meu encontro no pronto-socorro, e disse que iria me deixar no soro para ver se eu urinava. Foi quando pedi para que ele não me injetasse líquido, mas que passasse uma sonda. Foram retiradas mais de quatro cubas de hematúria (nota da editora: presença de sangue na urina).

Eu já estava anêmica e com distúrbio de coagulação, o qual me impedia de fazer uma cistoscopia (nota da editora: exame endoscópio das vias urinárias baixas. É realizado com o cistoscópio (nota da editora: aparelho que possui ótica que visualiza o interior da bexiga, uretra e ureteres), pois, eu poderia ter uma hemorragia violenta na hora desse exame. Permaneci internada para realizar exames: ultrassom das vias urinárias e o endovaginal, o qual senti dores horríveis. Com isso, o médico me avisou de que poderia ser endometriose, pois estava tudo aderido ao canal vaginal, mas nada de descobrir o que estava realmente acontecendo com meu corpo. Segui internada e foi pedida uma tomografia. Nela foi visto uma massa entre meu útero e minha bexiga. Nesse momento, os médicos passaram a suspeitar de um carcinoma (câncer), e me informaram sobre essa suspeita. Pediram uma ressonância magnética onde foi constatada essa massa, que já estava com infiltração no ureter esquerdo, na bexiga e entre o sigmoide e o reto. Voltei para casa após 10 dias de internação e usando a sonda vesical. Continuei fazendo mais exames, entre eles, a colonoscopia, que mostrou que não havia invasão interna no intestino. Fiz a cistoscopia quando melhorou minha coagulação sanguínea. Essa primeira foi só pra visualizar. Repeti o exame outra vez para fazer a biópsia, a qual confirmou a presença do tecido do endométrio na bexiga. Mais uma vez fui para casa de sonda. Comecei então o tratamento com zoladex. Fiz aplicação de quatro doses associada ao uso de depo-provera (nota da editora: um contraceptivo hormonal à base de acetato de medroxiprogesterona injetável intramuscular, que a paciente toma a cada três meses), mas esse remédio não suspendeu minha menstruação. Após essas quatro doses parei com esse remédio e continuei o tratamento só com a depo, por mais uns oito meses. Os sangramentos continuaram. Comecei a conversar com meu ginecologista sobre uma histerectomia, a qual ele sempre foi contra, pois eu sofreria com uma menopausa precoce. E eu lá estava preocupada com uma menopausa precoce? Minha preocupação era com a minha função renal, que estava cada vez menor a cada cintilografia feita (nota da editora: exame de imagem que difere do raio-x e do ultrassom, pois seu principal objetivo é avaliar o funcionamento interno dos órgãos, e não apenas a morfologia desses órgãos. É mais indicado em caso de tumores com altas chances de metástase, grandes traumas, entre outras doenças). Comecei a ir a outros ginecologistas. Uma, inclusive, disse-me que o tratamento estava correto. Já o outro disse que ninguém mandava presente pra ele, que só mandavam bomba, e que era pra eu voltar depois de dois meses, pois eu já tinha feito uma cirurgia bariátrica (nota da editora: cirurgia para a redução do estômago) recentemente e que iria ver o que poderia fazer no meu caso.

Sai de lá indignada com os descasos desses profissionais. Mas um urologista, que é amigo do dr. Robson Canhamaque, o médico com o qual trabalhava e que me acompanhava, foi enfático em dizer que seria necessária uma cirurgia ginecológica e outra urológica. Enquanto isso, o problema persistia. Com o início do tratamento, eu seguia sem dor, mas com sangramento constante. Isso prejudicava muito minhas vias urinárias. Voltei ao ginecologista que me acompanhava, mudei o depo-proverona para o anticoncepcional cerazete. Essa troca não resultou em nada. Passei a comprar medicação por minha conta, na esperança de cortar o sangramento. Consegui isso por dois meses usando o mesigyna (nota da editora: contraceptivo hormonal injetável intramuscular à base de enantato de noretisterona e valerato de estradiol, que se toma mensalmente), mas ele não era o hormônio ideal. A essa altura, havia passado meses sem fazer a cintilografia, e foi quando comecei a sentir forte incômodo ao urinar. E bem nessa época, o urologista dr. Marcelo Zouain, que me atendia, entrou de licença médica, mas fui me consultar com um uro de sua equipe, que solicitou o pedido do exame. Neste momento, ele informou que meu rim não tinha mais jeito, e que só não o retiraria porque não iria me abrir somente para isso. Mas se eu precisasse de uma cirurgia ginecológica, eles retirariam o rim. Sai do consultório pensativa, e, de repente, eu estava em lágrimas. Em três anos de tratamento, e com tantos descasos, nunca tinha derramado uma lágrima em relação ao meu problema, pois sempre tive muita fé e força pra enfrentar esse inimigo que morava dentro de mim. Mas neste dia, o meu mundo desabou. Mesmo assim não deixei me abalar. Não sou o tipo de pessoa que toma a doença para si e a carrega nas costas. Eu a deixo ali no cantinho, e fico observando. Sou positiva e tento todas as possibilidades, e sempre sem deixar a tristeza tomar conta de mim . Voltei ao ginecologista e o avisei que estava cansada deste tratamento, de me entupir com esses hormônios, e que tudo foi em vão. Nesse momento, eu estava sangrando há mais de seis meses, já estava com a pele irritada de tanto usar protetores e literalmente irritada com tudo que estava acontecendo. Então, ele me deu a última solução, usar o mirena (nota da editora: dispositivo intrauterino). O plano liberou a colocação do meu DIU, sem problemas algum, e, no dia 23 de agosto de 2011, eu me internei para colocá-lo. A única vantagem do DIU em meu corpo foi o fato de ele ter regulado a minha menstruação, que passou a vir rigorosamente de 30 em 30 dias. Porém, o incômodo urinário aumentou.

Por conta disso, voltei ao consultório do dr. Marcelo Zouain, que disse-me que eu não poderia continuar assim, e que iria conversar com um amigo ginecologista, para ver se ele faria a parte ginecológica da minha cirurgia. Ele topou, e, em mens de 15 dias já tinha feito todos os exames pré-operatórios. A Unimed liberou na mesma hora, e então, minha cirurgia foi marcada sem ao menos eu passar por consulta com o ginecologista, amigo do meu médico. Imagino que alguém deve pensar que sou louca por ter feito uma cirurgia com um médico que não conhecia. Confiei e confio plenamente em meu uro, que abraçou minha causa, já que, até então, fui a vários ginecologistas e nenhum se preocupou com meu problema. E, no dia 30 de janeiro de 2012, fui para o centro cirúrgico ao meio-dia. Foram mais de sete horas de cirurgia. Saí da sala de cirurgia para a UTI às 22h. Tive hipotensão (nota da editora: pressão arterial baixa), por ter perdido muito sangue. Lembro-me quando o uro chegou perto de mim, e perguntou se estava tudo bem comigo. Ainda sonolenta, perguntei:” Como é que estava a situação dr.?” E ele respondeu: “ Pior do que eu imaginava. Senti que estava no limite das tentativas terapêuticas e que aquela hora era a hora.” E era mesmo. Hoje me recupero bem da histerectomia (nota da editora: retirada do útero), reimplante de ureter esquerdo, cateter no rim direito, retirada de parte da bexiga e do ovário direito. O ginecologista poupou o ovário esquerdo, para não ter sérios efeitos da menopausa, já que sou muito nova. Vamos bloquear a função desse ovário com hormônio. O importante é que sinto-me bem e sem dores cirúrgica. Voltei para casa de sonda, a qual apelidei carinhosamente de Totó, já que andava comigo pra cima e pra baixo 24 horas por dia, e que retirei três semanas após a cirurgia. Agora minha esperança está renovada, pois não estou mais condenada a uma hemodiálise, ou até mesmo a um transplante renal. Espero que minha história sirva de exemplo e ajude outras mulheres a perceberem os sintomas da endometriose, e que não esperem muito tempo pra buscar ajuda. E, que, principalmente, corra dos profissionais que nos tratam com tanto descaso em relação aos sintomas dessa doença, mas que vá em busca de outros. E que todas às mulheres que ainda sofrem com esse problema, e que venham ler minha postagem, digo para ter sempre consigo duas palavras, que foram primordiais em minha vida: FÉ e FORÇA. Foram nelas que me apeguei e hoje me sinto uma vencedora, mesmo após ter sido mutilada. O importante mesmo é que estou VIVA, graças a Deus!" Beijos com carinho! Daniele Balbino

Daniele Balbino  e sua filha. 


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Alienação Parental: confira o programa na íntegra!

Oi, pessoal!
Vejam, o programa sobre Alienação Parental já está disponível para vocês!





E aqui está o vídeo da reportagem feita por Rosangela Santos na APASE - Associação de Pais Separados
 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Sobre a Lei da Alienação Parental, Dr. Elízio Perez




"Constatava-se cegueira do Estado em relação à alienação parental"

O Dr. Elizio Perez é um dos maiores estudiosos do tema da alienação parental no Brasil. Juiz do Trabalho em São Paulo, o Dr. Elizio Perez foi o responsável pela consolidação do anteprojeto que deu origem à lei sobre a alienação parental (Lei 12.318/10), sendo profundo conhecedor do assunto.

O Sr. trabalhou na elaboração do anteprojeto que deu origem à lei 12.318/2010, a chamada Lei da Alienação Parental. Pode-se dizer que o Sr. tenha sido o idealizador da lei?

Na verdade, lancei uma primeira versão de anteprojeto a debate público, em maio de 2008, divulgando-o em sites de associações de pais e mães e de profissionais do Direito e da Psicologia. Coletei as críticas e sugestões que vieram, de todas as origens (desde profissionais experientes até pais e mães que enfrentavam, no seu cotidiano, o problema), o que deu origem a 27 (vinte e sete) versões do texto, que foi quase que totalmente reescrito. Acredito que foi esse processo que deu legitimidade para que o anteprojeto fosse adiante. Do meu ponto de vista, havia uma demanda de pais e mães que enfrentam o problema e esse debate prévio, com erros e acertos, conseguiu captá-la. A preocupação era a de criar um instrumento que ajudasse a inibir ou atenuar, de forma efetiva, a alienação parental, com consistência técnica, mas que também fosse viável, do ponto de vista político. Durante a tramitação do projeto, no Congresso, o projeto ainda sofreu modificações e, a meu ver, foi melhorado, exceção feita ao veto presidencial à mediação. Por isso, digo que o texto tem autoria coletiva e minha participação é a de ter consolidado o anteprojeto.
Ainda se percebe a prevalência da guarda unilateral à guarda compartilhada, apesar desta ter sido reconhecida por nosso ordenamento jurídico há mais de dois anos. Quanto à aplicação da lei da alienação parental, o Sr. acha que os operadores do direito estão preparados para ela?

É certo que a atribuição da guarda não é questão simples e exige, muitas vezes, exame em concreto das possíveis soluções que melhor atendam aos interesses das crianças e adolescentes. No entanto, o que se percebe é que, a pretexto de se defender esse interesse, muitas vezes adota-se a solução mais conservadora, que estaria em uma aparente zona de conforto, do ponto de vista da prática jurídica. Silenciar o conflito com a guarda unilateral nem sempre é a melhor solução para a formação da criança. Muitas vezes, o conflito tem origem justamente em controvérsias decorrentes do saudável exercício da autoridade parental, na busca do melhor interesse da criança ou adolescente. E o Judiciário não pode fechar os olhos para essas questões. Há estudos - vale lembrar o trabalho da Prof.ª Leila Torraca, do departamento de Psicologia da UERJ - que demonstram que argumentos recorrentemente utilizados para fundamentar a não-aplicação da guarda compartilhada são, muitas vezes, inconsistentes. Se é verdade que, em algumas hipóteses, é razoável questionar a viabilidade da guarda compartilhada, em um amplo leque de situações ela seria cabível. A mera existência de dissenso entre o ex-casal, por exemplo, não parece ser motivo suficiente para obstar a guarda compartilhada.

A lógica de solução do conflito pela atribuição de guarda parece ser falha, fadada ao insucesso. O conflito é inerente ao ser humano. Em outra abordagem, podemos considerar que a guarda compartilhada, como forma de regular a autoridade parental e eventuais abusos, é algo claramente favorável ao interesse da criança ou adolescente. Estabelecer guarda unilateral em decorrência exclusiva de dissenso entre o ex-casal parece ser submeter a criança, em formação, às dificuldades dos adultos, que podem lidar melhor com suas dores e conflitos. Não pretendo, com isso, propor conivência com conflitos gerados por exercício abusivo da autoridade parental, mas dizer que, regra geral, o estabelecimento da guarda unilateral não parecer ser o melhor encaminhamento para o problema.

O art. 7ª da Lei da Alienação Parental estabelece um critério adicional para lidar com essa questão: se há insistência para que a guarda seja unilateral, então, para exercer a guarda, o juiz deve priorizar o genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor. Não se trata, evidentemente, de propor convivência formal, mas de viabilizá-la, de fato, o que, muitas vezes não é tão difícil de se constatar. Não basta propor regime de convivência cuja implementação, na prática, é inviável. Acredito que esse critério, bem aplicado, induz a aplicação mais ampla da própria guarda compartilhada; a melhor forma de viabilizar a convivência e participação ampla do outro genitor na vida da criança é convidá-lo ao exercício compartilhado da guarda. Na pior hipótese, esse critério pode servir para que se obtenha, já no início do processo, ao menos, duas propostas consistentes que garantam a efetiva participação de pai e mãe na formação de seus filhos.

Sobre a aplicação efetiva da Lei da Alienação Parental, acho que deve haver um período de maturação. No entanto, alguns dispositivos da lei decorrem da própria resistência dos operadores do Direito em dar resposta efetiva às questões relacionadas à alienação parental, estão relacionados ao momento social que vivemos. Por isso, considero que a lei não deve ser examinada apenas sob o aspecto técnico-jurídico, mas também no aspecto em que enfatiza demanda social, a de proteção à participação equilibrada de pais e mães na formação de seus filhos. Por exemplo, a Promotora Rosana Barbosa Cipriano Simão, do Rio de Janeiro, já indicava saídas concretas, no ordenamento jurídico, mesmo antes da Lei nº 12.318/2010, para inibir ou atenuar a alienação parental, porém raramente presentes em decisões judiciais. A nova lei tem por objetivo dar efetividade a essas soluções, além de induzir os operadores do Direito a que examinem com mais cuidado o fenômeno. Constatava-se cegueira do Estado em relação à alienação parental, que tendia a negá-la ou ignorar sua gravidade, identificando-a como mero dissenso passageiro entre ex-casal, sem conseqüências relevantes para a formação psíquica da criança ou adolescente.

Não se pode ignorar, também, que falta estrutura ao Judiciário para lidar adequadamente com essas questões: por exemplo, sobrecarga aos peritos psicólogos, muitas vezes mal remunerados, com tempo insuficiente para examinar, em profundidade, todos os casos que recebem; ausência de investimento em cursos de aprimoramento e formação de equipes especializadas para examinar, por exemplo, as complexas situações em que se busca distinguir alienação parental de suposto abuso contra crianças e adolescentes. Parece saudável que essas dificuldades venham à tona e que pensemos saídas para melhorar a atuação do Judiciário. E nem todas as questões são resolvidas com mais recursos, mas, às vezes, com melhor uso dos que já estão disponíveis.
O Sr. acredita que a guarda compartilhada seja um instrumento contra a alienação parental?

Sim, em muitos casos a guarda compartilhada pode funcionar como inibidor da alienação parental. Um primeiro aspecto é que a ampla convivência da criança ou adolescente com pai e mãe já serve de antídoto contra eventuais atos de alienação parental, pois a criança tem permanente experiência emocional corretiva de eventuais distorções. Além disso, parece que um aspecto importante da guarda compartilhada, do ponto de vista subjetivo, é viabilizar a internalização da noção de que mãe e pai são responsáveis pela formação da criança. Isso também parece ser uma nova referência, um novo critério de organização da dinâmica familiar, do ponto de vista social. Mas também, é necessário observar que, em alguns casos, a alienação parental pode subsistir ou inviabilizar a efetivação da guarda compartilhada; por exemplo, observa-se que, em algumas situações, ocorra sabotagem dessa possibilidade, pelo autor de atos de alienação parental. Nessa hipótese, a intervenção do Estado, por intermédio do Ministério Público e da mão firme do juiz, pode ser decisiva para reorganizar a dinâmica segundo a lei e, portanto, de forma mais saudável.
Qual o principal objetivo da lei, prevenir ou reprimir?

O objetivo principal é o preventivo, em vários graus. A mera existência da lei e a disseminação da noção de que interferir na formação psíquica da criança para que repudie pai ou mãe é forma de abuso, parece contribuir para uma alguma modificação social, nesse sentido preventivo. Além disso, ao estabelecer disciplina mais efetiva para lidar com a alienação parental, a lei dá, não apenas aos operadores do Direito, mas aos Psicólogos e aos mediadores, uma referência legal mais clara, com a qual nos relacionamos, na vida cotidiana. Essa referência legal, por exemplo, pode servir de facilitador da comunicação, em processo de mediação. A lei também permite intervenção para inibir atos de alienação parental, independentemente de conseqüências outras, e dá às autoridades que atuam na proteção dos direitos da criança e do adolescente, referência mais segura para tal. Não é preciso, portanto, esperar conseqüências mais graves (por exemplo, esperar que a criança já esteja respondendo ativamente a uma campanha de descrédito contra um dos genitores) para que haja atuação do Estado, aí compreendendo Conselhos Tutelares, Ministério Público e Judiciário. Além disso, o critério adicional para atribuição de guarda previsto no art. 7º da nova lei, a meu ver, bem aplicado, é um dos instrumentos de maior efetividade para prevenir abusos. Algumas matérias divulgadas na imprensa deram ênfase ao caráter punitivo da lei, o que me parece equívoco; ora, as medidas protetivas previstas na lei, são, basicamente, as que já estavam previstas no art. 129 do ECA, com as adaptações para o fenômeno da alienação parental. Por exemplo, se o estabelecimento de guarda compartilhada, aos olhos do autor de atos de alienação parental, é punição, não o parece ser do ponto de vista da efetiva proteção aos direitos da criança e do adolescente.

Não obstante, para as hipóteses em que a prevenção é ineficaz, parece que as autoridades do Estado devem, de fato, reprimir o abuso. O que parece claro é que a alienação parental levada a efeito é grave abuso que pode trazer relevante prejuízo à formação psíquica de criança ou adolescente. Crianças aparentemente saudáveis, em exame superficial, focado em cuidados básicos e indicadores mais evidentes, podem estar devastadas do ponto de vista psíquico. Embora seja evidentemente mais saudável que os pais reconheçam, no íntimo, a importância da participação de ambos na formação da criança - e há muitos casos em que essa solução é possível-, o Estado não tem a faculdade de fingir que abusos não ocorrem, ou lhes negar importância, quando presentes. Nesse mesmo sentido, a repressão a abuso inevitável corresponde à própria afirmação da lei, em acepção ampla, cuja transmissão também é componente para a saudável formação de criança ou adolescente. Há casos em que a repressão, prudente, por intermédio de sanção, traz resultados imediatos: o autor de atos de alienação diminui a intensidade da violência psicológica contra a criança; a criança, por sua vez, passa a sentir menos o conflito dilacerante e menos culpa por conviver com o outro genitor. O genitor autor dos atos de alienação parental é muitas vezes aquele que, no íntimo, não se dispõe a diálogo, mediação ou tratamento; não percebe e recusa-se a perceber o que faz com o filho.
Por que alienação parental e, não, síndrome de alienação parental?

Em síntese, considera-se que há síndrome, segundo a teoria original norte-americana, quando a criança já responde efetivamente ao processo de alienação parental, contribuindo para que seja aprofundado. Há um debate internacional sobre a natureza do fenômeno e a pertinência de sua classificação como patologia que atinge a criança. Uma das questões é o fato de o conceito de síndrome pressupor única causa, em contraponto a visão sistêmica familiar, que leva em conta as responsabilidades de todos. Não há dúvida de que esse debate, profundo, pode trazer conhecimento importante para melhor abordagem da alienação parental. No entanto, independentemente do exame da eventual responsabilidade de todos os envolvidos, em seus diversos graus, na dinâmica de abuso, o abuso, em si, deve ser inibido ou, na pior hipótese, atenuado.

Uma questão importante que tem sido ignorada é o fato de que a lei brasileira estabelece um conceito jurídico autônomo para os atos de alienação parental, que está no art. 2º da lei, e que não se confunde com a síndrome da alienação parental, embora possamos indicar pontos de contato. O conceito jurídico de atos de alienação parental viabiliza que se reconheça, com clareza, essa modalidade de abuso, em si, independentemente de conseqüências outras. Vale dizer: não é necessário aguardar para saber se a criança responde ou não ao processo abusivo, se há patologia ou não. Caso seja necessária perícia, segundo o art. 5º da nova lei, e essa constate a ocorrência do fenômeno, segundo critério ou nomenclatura científica adequada, esse dado também subsidiará a decisão judicial. Além disso, outro aspecto que considero importante é o fato de que a lei dá ênfase à proteção e não ao debate acerca da nomenclatura ou natureza do fenômeno. O art. 6º da lei, por exemplo, indica as medidas protetivas não apenas para as hipóteses de alienação parental, mas também quando configurada qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, ainda que de natureza diversa. Essa solução, aliás, confirma o traço principal da lei, que não é o de punir, mas de proteger, induzir melhora na dinâmica familiar.
Quais seriam os legitimados ativos para o requerimento a que alude o art. 4º da lei?

O art. 4ª intencionalmente não restringiu os legitimados para o requerimento de reconhecimento da alienação parental. Ao se reconhecer que ato de alienação parental é modalidade de abuso, recupera-se a referência do art. 18 do ECA, no sentido de que é dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente. Evidentemente que pais, mães e, por questão de melhor estrutura, os Conselhos Tutelares e o Ministério Público, são os legitimados clássicos para requerer ao juiz o reconhecimento da alienação parental e a adoção de conseqüentes medidas de proteção. Considero, no entanto, que todos que tenham informação consistente sobre essa modalidade de abuso são legitimados, o que pode compreender, por exemplo, familiares, educadores e médicos, que também podem encaminhar casos de abuso aos Conselhos Tutelares e ao Ministério Público.
A aplicação das medidas protetivas previstas no art. 6º da Lei da Alienação Parental dispensam o contraditório, à semelhança do que ocorre no ECA, art. 129, I a VIII?

Exatamente. A natureza dessas intervenções é a de medidas protetivas e não de punição. Em muitos casos, a agilidade do Judiciário é decisiva para inibir o abuso, na origem, ou atenuar seus efeitos. Das medidas previstas no art. 6º da Lei nº 12.318/2010, apenas a do inciso VII, que é a suspensão da autoridade parental, evidentemente aplicável estritamente para hipóteses de alienação parental mais graves, com apoio pericial, pressupõe procedimento contraditório específico, conforme art. 24 do ECA. Isso porque um dos objetivos da lei é o de buscar a melhoria da dinâmica familiar e a efetiva participação de pai e mãe na formação da criança ou adolescente. Outra ferramenta da nova lei é o art. 3º, que, por exemplo, identifica ato de alienação parental a descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda, o que representa infração administrativa definida pelo art. 249 da ECA; esse dispositivo específico tem traço punitivo, mas o sentido é assegurar à criança o exercício regular - em oposição a abusivo - da autoridade parental. Os artigos que estabeleciam crimes foram excluídos do projeto de lei da alienação parental, durante sua tramitação.

Como fazer para que o procedimento incidental para aplicação da lei 12.318/10 não se transforme em outro processo, com a mesma complexidade do processo principal, especialmente se se considerar as especificidades da perícia prevista na lei?

O sentido da lei é mesmo o de viabilizar procedimento ágil, compatível com a gravidade e necessidade de intervenção rápida, em casos de alienação parental. A lei traz esse princípio, induzindo agilidade, inclusive estabelecendo prioridade de tramitação aos processos envolvendo indícios de alienação parental, em seu art. 5º. É necessário empenho dos operadores do Direito para que esse objetivo tenha efetividade. Além disso, é importante dizer que as medidas iniciais de proteção podem e devem ser adotadas independentemente da perícia, segundo o art. 4º da nova lei. Podem, ainda, ser adaptadas, no próprio curso da perícia. A efetiva convivência da criança com os genitores, por exemplo, pode ser viabilizada, de plano, na quase totalidade dos casos, em parâmetros seguros. Em casos mais simples (por exemplo, inviabilização injustificada da convivência regulamentada, hipótese recorrente), a atuação do juiz para inibir a alienação parental independe de perícia (por exemplo, com advertência, multa e ampliação da convivência da criança com o genitor alvo do processo de alienação).
O Sr. entende cabível a aplicação da mediação nos procedimentos regidos pela lei 12.318/10?

Sim, considero que a mediação pode trazer importantes contribuições, em muitos casos. Lamentavelmente, o artigo do projeto de lei da alienação parental que tratava da mediação e tinha por objetivo intensificar sua aplicação foi vetado. Isso, no entanto, não impede que a mediação continue sendo aplicada. As soluções eventualmente decorrentes de processos de mediação são claramente mais consistentes, pois há maior espaço para comunicação e análise das questões efetivamente envolvidas no dissenso; há a possibilidade de construção de saídas conjuntas e com o atributo de compreenderem contribuição pessoal dos envolvidos. É necessário, no entanto, observar que, em algumas situações, principalmente em processos de alienação parental em grau mais grave, a mediação pode se mostrar ineficaz pelo uso do diálogo formal como forma mascarada de transgressão e aprofundamento do processo de alienação parental (por exemplo: retardar a tramitação do processo judicial, burlar acordos prévios ou minar a resistência do genitor alvo do processo).

O Sr. acredita que a interferência extrajudicial do Ministério Público em casos de alienação parental, mediando a restauração do convívio, orientando e alertando as partes para a gravidade da questão, e, enfim, efetivando acordos, pode ser um instrumento eficaz de proteção à integridade psíquica dos menores envolvidos?
Sim, o Ministério Público, com a autoridade que lhe é inerente, é interlocutor privilegiado para essa orientação, quanto à gravidade da alienação parental. Nessa posição destacada, parece que pode induzir dinâmica em que haja a contribuição de todos para a solução do conflito, inclusive a sincera procura pela mediação. A percepção de que a lei tem efetividade contribui para fazer cessar a dinâmica de abuso. A banalização da transgressão da lei, sobretudo em questões envolvendo convivência familiar, contribui para a escalada da violência, pois se chega a situações absurdas em que a transgressão é identificada como meio de exercício efetivo da parentalidade.

 OBS: Grifos nossos
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PS: Dr. Elízio Luiz Perez foi um dos especialistas presentes no Papo de Mãe sobre Alienação Parental


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