Direito ao Diálogo
Por Juliana Kunc Dantas
Basta ligar a televisão para, praticamente todos os dias, ver vídeos que mostram brigas entre jovens no ambiente escolar. As cenas são realmente chocantes e despertam angústia, sentimento de impotência diante da situação.
Diariamente, pelo menos 100 dos 5.400 colégios da rede estadual em São Paulo denunciam casos de violência à Secretaria de Educação. Desde ofensas verbais até agressões físicas. Inclusive contra professores e funcionários.
Sou formanda do 4º ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e, como qualquer cidadão, estou inquieta com este estado das coisas. Escolhi, ao lado da aluna Gabriela Forte, produzir o nosso Trabalho de Conclusão de Curso em formato de programa de reportagens especial para televisão. Chama-se Direito ao Diálogo. O tema é a Justiça Restaurativa. O nome, à primeira vista, pode assustar. Parece algo burocrático, que foge da prática. Mas é só se aproximar para ver que é um sistema que, efetivamente, coloca a mão na massa.
A Justiça Restaurativa nasce em alguns pontos do mundo, como Canadá e Nova Zelândia, há cerca de quarenta anos. Mas, no Brasil, surge em 2005. Por enquanto, o foco principal é a Justiça Juvenil. Os projetos ainda são pilotos, em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em Brasília. A ideia é que vítima e infrator sejam colocados frente a frente para que, por meio do diálogo, resolvam um determinado conflito. O facilitador é um profissional capacitado para apenas mediar a conversa. No ambiente em que acontece este encontro não fica presente nenhuma figura autoritária, como o diretor de um colégio ou um juiz. Isso porque, de acordo com o sistema restaurativo, a presença hierárquica impediria que o diálogo fluísse naturalmente. Além disso, são convidados membros da comunidade diretamente envolvidos no conflito (pais, mães, outros alunos etc). Não há nenhuma espécie de julgamento. O foco é a responsabilização de quem cometeu o ato e a compreensão daquela ação, e não a culpabilização. Este encontro é chamado de círculo restaurativo. O nome não é só por conta de como se organiza o espaço. É também um ambiente de poder compartilhado.
Não entendíamos como práticas dialógicas poderiam se descolar da utopia, como poderiam ser efetivas. Mas as histórias que conhecemos sobre perdão e entendimento humano são irrefutáveis. A prática restaurativa se coloca oposta à Justiça Retributiva, que há muito só tem agravado problemas suficientemente sérios. Com frequência, as penitenciárias recrudescem o estado do cidadão que é preso e, recorrentemente, geram novas modalidades de crime. A sociedade, em confusa revolta, passa a gritar por lugares comuns lamentáveis que urgem pela diminuição da maioridade penal, pela pena de morte etc. Além disso, o dado mais recente do ICJ Brasil, que mede a percepção do brasileiro em relação à Justiça são preocupantes. A cada dez brasileiros, sete não confiam na Justiça brasileira e 64% da população não acreditam que o sistema atual tenha a capacidade real de resolver conflitos.
A Justiça Restaurativa mostrou-se, para nós, não um remédio milagroso, mas uma saída para muitos dos problemas de violência que estão instalados no Brasil.
Fomos à Escola Estadual Professora Salime Mudeh, na periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo. Este colégio foi um dos pioneiros a abraçar o projeto Justiça & Educação – uma parceria do sistema judiciário e da Secretaria de Educação. Embora o projeto ainda esteja em fase embrionária, os resultados atingidos no Salime Mudeh são impactantes: 100% de não-reincidência. Ou seja: todo aluno que passou pelo círculo restaurativo nunca mais voltou a transgredir as regras escolares.
Alguns casos, em outras escolas, seriam passíveis de advertência, suspensão ou, até mesmo, de expulsão. Contudo, com a presença deste olhar diferente da Justiça Restaurativa, o Salime Mudeh dá conta de resolver seus próprios problemas.
Há uma história muito interessante de uma aluna, hoje no Ensino Médio, que calcula já ter passado mais de 100 vezes pela sala da diretoria, sempre por falta de disciplina escolar. Até que um dia se envolveu em uma briga física com colegas de classe. Desde que teve a oportunidade de passar pelo encontro restaurativo, há dois anos, a estudante conta que mudou da água pro vinho. “O círculo pra mim é: tudo se resolve numa conversa. Depois que eu participei do círculo eu evito alguma confusão”, conta. “Sempre quando alguém implica comigo e a pessoa fala ‘Vai lá! Tira satisfação!’, aí eu lembro: eu não! Pra que vou tirar satisfação? Já participei de um círculo restaurativo, já sei como é... Discutir não leva a nada!”, ensina. A menina lembra que antes nem levava caderno pra escola. A ideia era mesmo ir pra bagunçar. Depois do círculo, as notas vermelhas se azularam. A garota, hoje, já tem planos até pra quando se formar: quer ser técnica de enfermagem.
A diretora da escola Salime Mudeh, Nilma Figueiredo Gaspar, explica que mudanças como esta só acontecem porque o aluno é acolhido. Ela diz que o objetivo é evitar que os problemas escolares se agravem. “Quando eu coloco o aluno pra fora da escola, eu estou contribuindo para que ele se marginalize mais. Porque se punição desse certo, se botar fora da escola desse resultado satisfatório, não teríamos a Fundação Casa com tantos problemas, né?”, elucida. “Uma coisa que me preocupa e eu sempre discuto muito com a minha equipe: todos aqueles que lá estão passaram pela escola.”, diz.
O inglês Dominic Barter é um dos principais responsáveis por esta perspectiva de compreensão e entendimento humano ter chegado aqui no país. É dele a concepção de círculo restaurativo, o método mais usado no Brasil para a resolução de conflitos por meio da Justiça Restaurativa. “Temos este sonho de que a escola fale como algumas escolas dos municípios que a gente já trabalha, já começaram a falar: ‘Sim, aqui tem Matemática, aqui tem Português, aqui tem Química e aqui tem um sistema restaurativo.”
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3 comentários:
Juliana, obrigada por colaborar com o Papo de Mãe.
Belo texto - e um assunto que merece destaque.
Parabéns por seu trabalho.
bjs
Mariana Kotscho
Ola, pergunto por que as crianças pedem tanto um animal de estimação? Tenho a impressão que eles tratam como mais um brinquedo que depois perde a graça ou então dão tanto valor como se fosse um irmão. Como dosar esta convivencia?
Grata!
Raquel Azevedo
São Paulo/SP
Raquel, obrigada por enviar sua pergunta. Ela será lida no programa e vamos aguardar a opinião dos convidados!
Bjs
Clarissa Meyer
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