AMIGO INVISÍVEL OU IMAGINÁRIO
Por Roque Theophilo*
É
comum os pais surpreenderem seus filhos em solilóquio (fala de alguém
consigo mesmo) e muitos o chamam "amigo invisível" ou
"imaginário" com o qual a criança passa o tempo a brincar e a
conversar, contando-lhe todos os seus problemas.
Muitos
pais acham que somente o filho único tem o "amigo invisível" ou
"imaginário".
Muitas
crianças, quando estão brincando sozinhas, gostam de imaginar que tem um amigo
invisível, e para isso falam com ele, riem e até chegam a ficar zangadas e
ficarem dias "de mal".
Quando
os pais verificam que o seu filho está falando sozinho costumam ficar
preocupados.
Mas,
na primeira infância não há motivos para estas inquietações, pois as crianças
com estas idades precisam imaginar e criar o seu mundo de fantasia e o mundo da
criança é recheado de fadas, duendes e outras homéricas imaginações
fantásticas, e é isso que lhe dá felicidade e prazer em crescer.
Se
perceberem que uma criança fala com alguém invisível ou com o coelhinho de
pelúcia que ganhou na Páscoa, escutem a conversa, e aprendam a estimar essas
personagens do "faz de conta" dos seus filhos.
Dos
dois anos aos quatro de idade, as crianças vivem uma das fases da vida que se
apresenta cheia de encantos. Todos os dias nos surpreendem com novas conquistas, novas proezas. E é também
a idade da entrada nas nossas casas dos amigos imaginários.
Muitos
pais já devem ter sido confrontados com a obrigação de mudar de cadeira à mesa,
porque naquele lugar vai se sentar o amiguinho Tonico, um amiguinho virtual do
filho, também denominado "amigo invisível" ou "imaginário",
e obrigam a que se coloque um jogo de refeição com prato, talheres e copo,
porque o Tonico quer jantar.
Outros
pais se depararam com uma criança que interage animadamente com um objeto como,
por exemplo, o travesseiro que usaram quando eram bebês, ou mesmo uma fralda,
um cobertor da sua vida de berço, ou qualquer outra coisa.
Os
amigos imaginários podem surgir de dois modos: amigos invisíveis (que ninguém
pode ver) e objetos personificados (com os quais a criança interage como se
fossem humanos). Um amigo imaginário pode ser qualquer coisa, e até não
ser nada de concreto - simplesmente estar ali para a criança.
Algumas
crianças usam brinquedos que vão das bonecas aos cubos. Existem crianças que
brincam com personagens que só existem na sua cabeça. O "fazer de
conta" permite à criança sentir-se como dona da situação, pois ela é que
dá ordens ao amigo invisível, ser por uma vez o responsável, ou chefe: ela pode
ensinar, falar, mandar nos seus amigos imaginários de uma maneira impensável,
em relação aos seus amigos de carne e osso, ou aos membros da sua família.
Apesar
de alguns pais ficarem algumas vezes perplexos perante tal fato, isto pode ser
um modo positivo e criativo que a criança arranjou para lidar com o seu mundo
de sonho e fantasia, podendo estar sozinha ou não. Na maioria dos casos,
trata-se de um recurso valioso para a criança e importante para o seu
desenvolvimento, quando surge de modo natural, servindo como fator
compensatório.
Um
amigo imaginário tem muitas vantagens. É alguém que está sempre disponível para
brincar, que gosta de todas as idéias da criança, que coopera e que nunca lhe
tira os brinquedos. Por outro lado, estes amigos também são frequentemente
usados para a criança se livrar de sentimentos negativos, e lidar com eles, ou
para atirar as culpas de algum erro para cima deles.
Mas
porque é que as crianças arranjam este tipo de amigos?
As
crianças começam a brincar de "era uma vez" ou "faz de
conta" desde muito cedo, por volta dos dois anos. E fazem-no repetidamente,
imitando frases e atitudes dos adultos. Inicia-se assim um ritual. De certa
maneira, nesse novo contexto, no qual surge o amigo imaginário, a criança
controla os acontecimentos, sentindo-se importante e especial, sensação esta
que pode não encontrar na sua vida familiar, ou na escolar, ou social.
Este
tipo de "amigo invisível", ou "imaginário" ajuda as
crianças a lidarem com as ansiedades normais do seu crescimento. Pode ser uma
grande ajuda, desde que não se ultrapassem certos limites.
Há
vários fatores que podem influenciar o aparecimento destes "amigos
especiais". Eles podem aparecer quando a criança passa por momentos de estresse
ou de ansiedade, como, por exemplo, quando um amigo muda de escola ou vai morar
em outra cidade, e então a criança pode substituí-lo por um amigo imaginário.
No
caso das saudades de um ser querido, poderá substituí-lo, durante algum tempo,
por um amigo imaginário, que contribuirá para que a angústia da separação não
seja tão brusca e traumática, deixando que o tempo faça o resto.
Muitos
pais que tem filho único que fala com o "amigo invisível" ficam
desesperados, pensando em arranjar um irmãozinho, pois isso é um ledo engano,
já que muitas crianças, quando nasce um irmão, podem inventar
um "amigo" por não estarem interessadas no nascimento do bebê. Termina
sendo um recurso compensatório.
Nestas
situações de estresse, ou de grandes mudanças, ou perdas importantes, como um
divórcio, ida para casa ou escola novas, a perda de um ente querido, ou o
nascimento de um irmão, a criança, por não encontrar suporte para enfrentar
sozinha o problema, arranja um "amigo invisível", ou
"imaginário". Também há de se realçar que são as crianças mais
sensíveis e inteligentes que desenvolvem este tipo de recurso.
Quando
os pais "expulsam" a criança do quarto do casal sem o uso de tato,
pode ocorrer que a mesma, para compensar a perda da companhia, crie o
"amigo invisível". Ocorre o mesmo quando a criança é levada para a
escola e, quando volta pode começar o solilóquio dos acontecimentos que
vivenciou na escola perguntando, ao "amigo invisível" se gostou da
professora e dos coleguinhas.
Os
comportamentos da criança, e de seu "amigo invisível" são pitorescos
e não se trata, como muitos pensam, que ela é solitária.
Quantas
vezes pais convidam coleguinhas do colégio para fazerem companhia e a criança
manda os pais esperarem porque ele vai consultar o seu "amigo
invisível" para ver se está de acordo.
Os
"amigos invisíveis", ou "imaginários" também ajudam a
criança a lidar com a solidão. O "amigo", ou um objeto de conforto,
ajuda a criança a fazer face quando sente os medos infantis, que são as
situações que mais angustiam a criança, como o escuro, a solidão, o abandono.
Nessas situações, este amigo lhe faz companhia, preenchendo um pouco o vazio
que se instala na vida infantil, reduzindo a ansiedade. Assim, pode fazer com
que não perca o controle, uma vez que vai conversando com o amigo e ouvindo a
sua própria voz, a qual, entre outras coisas, o acalma. Estes amigos servem,
ainda, para a descarga das emoções contidas, que as crianças não conseguem
canalizar adequadamente.
Lembretes
para os pais de crianças com "amigos imaginários":
·
Os
pais não devem dar muita importância a este acontecimento. Se ele persistir até
à pré-adolescência então, nesse caso, é interessante consultar um profissional
de saúde.
·
Os
pais devem saber que ter "amigos imaginários" é algo perfeitamente
comum entre crianças de 3 aos 6 anos de idade.
·
Os
pais devem saber que esta é uma demonstração das capacidades da criança para
explorar e expandir a sua imaginação e criatividade.
·
Os
pais devem saber que, muitas vezes, estes amigos são usados para lidar com
sentimentos como a raiva ou a inveja.
·
Os
pais devem saber que as crianças podem usar estes amigos para praticarem o que
é ser e ter um amigo.
·
Os
pais devem saber que uma das grandes vantagens destes amigos especiais é que,
se os pais ouvirem as conversas das crianças com eles, poderão ser capazes de
descobrir alguns dos medos das crianças e alguns conflitos.
·
Os
pais devem saber que uma vez que o amigo imaginário também é um confidente, a
criança fala com ele dos seus medos, por exemplo, o receio de que alguém a
maltrate, ou que não simpatize com ela, ou de algum tipo de inadaptação, ou
perda que ninguém tenha notado e que era tão importante para a criança.
·
Os
pais devem saber que a descoberta precoce deste, e de outro tipo de
acontecimento, poderá ser determinante para proteger ou ajudar a criança.
·
Os
pais devem saber que quando a criança pratica o solilóquio e ficar mais
exacerbada devem estar atentos e falar com a criança, acalmando-a.
·
Os
pais devem saber que é bom temporariamente perguntarem às crianças se realmente
acreditam que estes amigos existem.
·
Os
pais devem saber que quando uma criança defende vigorosamente a sua existência,
no fundo, saberá que é uma brincadeira.
·
Os
pais devem saber que tudo tem de ter certos limites, mas não há dúvidas de que
estes amigos são importantes para as crianças. E, perante elas, devemos
tratá-los com respeito.
·
Os
pais devem saber que não vale a pena lutarem contra isto, pois que, não ajuda e
pode fazer com que a criança se isole e se sinta diferente, o que não é
benéfico.
·
Os
pais devem saber que é bom tratar o tema com naturalidade e até tomar parte
desse mundo da criança. Incluí-los na vida familiar, como se tratasse de um
jogo. Sempre respeitando a faixa etária da criança, os pais não podem
frustra-la, chamando-a de tola, maluca, etc. Devem brincar acreditando que o
"amigo imaginário" e mais um ser da família. É uma excelente maneira
de chegar à criança e estreitar os laços entre pais e filhos.
·
Os
pais devem saber que quando a criança se sente mais segura e madura, algo que
deve acontecer até aos sete ou oito anos, diz adeus a estes "amigos
imaginários", momento em que guardará uma lembrança carinhosa dessa sua
etapa etária.
·
Os
pais devem saber que a ajuda de um Psicólogo deve ocorrer quando a criança
apenas quer estar sozinha com esse seu amigo imaginário, evitando o contato com
os outros, ficando limitada e criando conflitos, isto é, alterando o seu normal
inter-relacionamento com o meio e com os outros, algo de que a criança precisa
para o seu desenvolvimento.
Segundo
Jerome L. Singer, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de
Yale, a imaginação é uma capacidade básica da espécie humana para criar
imagens, fantasias e pensamentos. O estudo de crianças de brincar de "faz
de conta" dá pistas valiosas acerca da arquitetura básica da mente
infantil, uma vez que se trata de uma manifestação da capacidade para
transcender o pensamento do que é o mundo aqui e agora, e pensar no mundo tal
como poderá ser.
Outros
especialistas afirmam que, assim que esta fase começa, as crianças também são
capazes de reconhecer o "faz de conta" nos outros. E mostram um rico
e mais variado vocabulário, uma habilidade crescente para se distraírem.
Por
isso, se um for encontrada a criança brincando, ou tomando as refeições
animadamente com "alguém" sentado à frente dela, relaxe, não se sente
no lugar dessa "pessoa", não desfaça nem diga que não existe. É
perfeitamente natural. O "fazer de conta" é sinal de que a criança
está desenvolvendo a sua imaginação. Num mundo imaginário, a criança testa os
seus limites. E isso quer dizer que está crescendo de um modo saudável.
A
maioria das crianças reconhece a diferença entre fantasia e realidade sem a
ajuda dos pais. E não faz mal incentivar o desenvolvimento da imaginação dos
mais pequenos.
Especialistas
em Desenvolvimento da Criança dão algumas ideias aos pais.
·
Comprem
brinquedos e materiais versáteis, que possam ser usados de maneiras variadas.
·
Proporcione-lhes
material para desenvolverem as suas fantasia. Quando estão brincando de fazer
comidinha ou de ser o dono de uma mercearia, por exemplo, precisam ter sacolas
e algumas caixas de comida vazias.
·
Forneça-lhes
fita adesiva em quantidade. É indispensável para construir casas com cartões e
caixas.
·
Encoraje-os
a brincar com massinha de boa qualidade que não seja tóxica, argila e areia.
Estes materiais maleáveis têm um efeito calmante. As crianças podem usá-los
todos os dias, de modo diferente, para criarem e controlarem as suas
brincadeiras de "faz de conta".
·
Não
controle as brincadeiras, deixe que sejam crianças.
·
Não
insista em intervir nas brincadeiras das construções infantis.
·
Se
as crianças pretendem construir uma fortaleza debaixo da mesa da sala de
jantar, os pais, de forma cautelosa e sem quebrar-lhe a inspiração, devem
sugerir que a construa num lugar que não importunará ninguém, principalmente se
tiver necessidade de permanecer por alguns dias.
·
Não
comprem muitos brinquedos.
·
Comprem-nos
com a presença da criança sem impor-lhe o brinquedo. Quando as crianças têm de
procurar objetos para as suas brincadeiras, a imaginação voa.
·
Comprem
brinquedos em épocas certas, isto é aniversário, dia da criança e festas de fim
de ano. O abuso na compra gera consumismo e o valor educativo do brinquedo
perde o efeito.
Muitos
pais, quando eram crianças de família pobre, não podiam ter brinquedos a
vontade e quando adultos compram brinquedos sofisticados, muito mais para eles
adultos brincarem do que seus filhos. É um erro crasso.
Ensinar
a criança a preservar o brinquedo e a tê-los em ordem, arranjando-lhe um local
e recipiente apropriado para guarda.
Lembrar-se
que o brinquedo é como o remédio, que tem o seu uso certo, na idade correta e
adequada.
* Prof. Dr. Roque
Theophilo “in memoriam” - Psicólogo e
Jornalista Profissional, autor do título
« O Amigo Psicólogo ® ». Presidente das Academia Brasileira de Psicologia e
Academia Internacional de Psicologia, e um dos pioneiros da Psicologia no
Brasil. Site www.psicologia.org.br.