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Na TV Brasil

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Bullying: entrevista com Rubem Alves

Olá a todos!!!
Gostaram do programa de hoje? Perceberam que mesmo sendo um assunto muito sério - BULLYING - o clima é de total descontração no estúdio? Pois esta é a proposta do programa: abordar sempre um tema relevante envolvendo o universo familiar,  mas com a leveza e a informalidade de um papo entre mães (ou  pais, tios, avós...). 
Fiquem agora com a entrevista feita pela repórter Mariana Verdelho com o renomado professor e educador Rubem Alves. Para ele, o problema da educação de hoje é que as perguntas não são respondidas para as crianças, e sim para os adultos... Vejam o que mais ele tem a dizer e a nos ensinar!

MV: Qual sua opinião sobre a violência no ambiente escolar?
RA: A violência é generalizada. O interessante é que, em todas as instituições, onde há um grupo com poder absoluto, a violência aparece. Pode ser partido político, convento, associação de prostitutas... Qualquer organização, se tiver monopólio, a violência aparece. E no caso das escolas, não só as crianças sofrem, mas os professores também sofrem muito. Embora eles não saibam, eles são os culpados involuntariamente.
Os professores estão envolvidos demais naquilo que eles chamam de “grade curricular”. Aliás, já brinquei que esse termo foi inventado por carcereiro desempregado... Os professores estão “engradados” naquilo e os alunos também. Porém, os alunos não têm interesse. Será que um adolescente de 14 anos, da periferia, vai se interessar por análise sintática? O que tem a ver com a vida dele? Os alunos, quando envolvidos em coisas que fazem sentido para eles, são extraordinários. Eles querem fazer alguma coisa que dê sentido, que envolva ação. Ficar sentado na cadeira o dia inteiro é contrário à psicologia das crianças e dos adolescentes.
MV: Então a escola tem culpa?
RA: Na escola você pensa português. Toca campainha. Pensa matemática. Toca campainha. Pensa história... Isso é uma violência com cabeça da gente. A cabeça não funciona assim. Você não pode dizer para cabeça “pense isso, pense aquilo”. Obrigar a pensar... Imagina um problema de matemática... Você está lá e aí toca campainha. Você tem que parar de pensar na matemática e tem que pensar outra coisa. A organização da escola é muito parecida com organização de fábrica: todas as crianças são iguais, tem interesses iguais, aprendem as mesmas coisas, no mesmo tempo, mesma velocidade... Só que aí você vê um problema sério: a integração das crianças. Não gosto de eufemismos como “portador de deficiência”. Esse negócio de “portador”... Quer dizer que eu não sou deficiente, a minha deficiência eu carrego numa bolsinha pendurada no meu dedo? É deficiente mesmo. Aquele que não tem uma perna, que tem o QI baixo... E você colocar uma criança com deficiência junto com outras é mesma coisa que colocar um corredor com uma perna só no meio de outros que tem 2 pernas. Ele não tem jeito de acompanhar os outros e isso cria um problema sério. Mas a escola não prevê isso. Quer dizer, a questão de integrar não é só botar lá dentro. A forma que a escola funciona não é uma forma que possibilita a aprendizagem de uma criança e de um adolescente deficiente.
MV: Quando você inclui é que surge a gozação?
RA: Surge aquela coisa terrível que é chamada bullying. Não existe expressão em português para isso. Bullying em inglês é o valentão. Aquele que tem prazer vendo o sofrimento dos outros. Não é aquela briga normal - porque briga na escola é normal. O bullying é uma coisa sistemática. Todo dia tem uma tortura. Pode ser física, como em casos dolorosos que envolvem a vida das pessoas, ou então a simples caçoada. Os professores são vítimas também. Para resolver este problema ele precisa ser um professor especial. Não é o durão, não. É o que desperta admiração dos alunos.
MV: E estes professores estão em falta?
RA: Completamente em falta. Os professores entram em briga com alunos e não sabem o que fazer. Ontem, eu estava conversando com uma professora sobre uma experiência que ela está tendo numa escola... Existem professores que praticamente apanham dos alunos porque faltam-lhes qualidade. Professor tem que ter qualidade e isto nasce com ele. Não é qualquer um que pode ser professor. Tem que ter carisma para estabelecer contato com os alunos.
MV: Onde começa a violência?
RA: Em casa. Há pais e mães que são extremamente violentos. Freud se preocupava com isso. Qual será o futuro da civilização com essa força da violência? Ele dizia que as duas grandes forças que movem a civilização são Eros (amor) e Tanatus (morte). Ele não sabia explicar por que as pessoas se enamoram com a morte. Por que tem prazer em ver o outro sofrer... Parece que os animais não têm este prazer. Os animais comem uns aos outros, mas não pelo prazer. Matam porque precisam para comer. Os seres humanos não matam para comer. É por prazer. Para afirmar sua potência. Agora, como é que você vai resolver esse assunto? Eu não sei. Acredito muito na figura dos professores.
MV: Essa violência na escola é mais recente ou sempre existiu?
RA: Para lhe dizer a verdade, eu não sei como era a violência entre alunos. Eu sei é que os professores, a escola antiga, eram muito violentos. Eu me lembro de um tio que descrevia a experiência dele... Os alunos que não sabiam as respostas, o professor pegava rapé, fazia cheirar e levava para palmatória. A escola era violenta, alunos eram vítimas, tinham medo. Isso de prestar atenção no aluno é coisa nova. O que se adotou no passado foi a violência, a ameaça como artifício pedagógico para os alunos aprenderem melhor.
MV: Este método não funcionaria mais hoje?
RA: Hoje, professores têm medo dos alunos. Então, não se atrevem a usar violência. Hoje, não é mais violência com régua, mas com a nota. Professor tem poder de dar a nota. Eu só sei de uma coisa: retaliação e ameaça não resolvem.
MV: E como acontece a violência hoje?
RA: Há líderes de vários tipos. Há o do bullying, que congrega o grupo dele, mas há outros líderes capazes de juntar alunos para fazer coisas. O professor deve ter sensibilidade para descobrir lideranças e trabalhar com elas questões importantes. Se der questões, os alunos colaboram. Eu tenho uma filha adotiva que está com 9 anos de idade. Mas desde os 7 anos, ela se queixa de um movimento natural das meninas de segregar umas às outras. Há um jogo permanente entre elas. Algumas são mais charmosas, as outras querem ficar com elas durante o recreio. Então elas escolhem quais vão ser as companheiras no recreio e exclui as outras. É um jogo muito perverso e ninguém precisa ensinar a elas como fazer esse jogo de perversidade. Elas aprendem não sei como. Só que ela sofre com isso. Um dia ela estava chorando porque uma das coleguinhas a recusou como companheira na hora do recreio... O que faz as pessoas serem assim? Não tenho a menor idéia, está dentro delas. Eu não sei qual é a maldade que existe no coração humano que faz com que ele tenha prazer em diminuir o outro. Talvez diminuindo outra pessoa ele tenha a sensação de que é maior...
MV: Como foi a sua experiência na escola?
RA: Sabe, eu sofri demais na escola. Eu fui muito objeto de discriminação porque eu morava em Minas Gerais e era um caipira. Lá na roça eu nem usava sapato. Mudei para o RJ e cheguei vendo os cariocas falando chiado e eu falando com sotaque caipira. Nunca tive um amigo. Nunca fui à casa de ninguém. Foi uma experiência de solidão total porque era a maneira que eu tinha de escapar, pois eu era diferente... As crianças não querem ser diferentes. O adolescente usa a moda, a grife. Todos têm que ser iguais... Sabe de onde vem a maldade? Na roça a gente aprende. Nos galinheiros, todos estão numa boa... Mas se você traz um frango novo e põe no galinheiro ele se torna objeto da bicada dos outros até que se cansem. Aí, ele é assimilado ao grupo e deixa de ser diferente. Quando vier o próximo, todos vão bicar, inclusive aquele que foi bicado um dia. Não há sociologia que explique isso...
MV: Existe falta de limites?
RA: Sim. Os pais não sabem estabelecer limites. Então, as crianças crescem sem limites. Certa vez, havia um casal com uma criança de uns 7 anos. O menino chegou e me deu um murro. Eu olhei para o pai e para a mãe esperando que eles fizessem alguma coisa, mas eles não fizeram nada. Então, eu me ajoelhei e disse “ah, eu também gosto muito dessa brincadeira de dar murro. Vamos brincar de dar murro? Você dá um murro aqui em mim e eu dou um murro aqui em você, pode dar.” Evidentemente, ele não deu (e se ele me desse é claro que eu não ia fazer nada). Foi um jogo que eu fiz. Mas o pai tinha que ter dito para o filho alguma coisa, porém não disse. Então, ele deu permissão para o menino fazer. O que acontece é que essas pessoas crescem sem sentimento de culpa... Sentimento de culpa é uma praga, terrível, mas se você não tiver, acaba sendo criminoso. Sentimento de culpa é se sentir responsável. É a base do sentimento, da moral, e os pais precisam desenvolver o sentimento saudável de culpa para as crianças desenvolverem consciência. A consciência é uma gotinha de culpa dentro de mim que diz assim “você não pode fazer isso. Se você fizer isso, você cria um sofrimento para outras pessoas”.
MV: Qual deveria ser o papel da escola?
RA: A coisa mais importante na escola - quem disse isso foi Roland Bart – é a “maternagem”... É assim... A mãe está na sala fazendo alguma coisa, trabalhando, lendo, fazendo tricô e a criança solta. A criança vem e sai. A mãe brinca um pouco... O importante é o espaço de liberdade e ausência de medo criado em torno da mãe. É uma presença que garante que espaço pode ser explorado porque está protegido. Agora, a escola ensina tanta coisa que não tem o menor sentido. Por exemplo: eu sei resolver a equação “–b+acnjhgzigfs”, mas não tenho a menor ideia para que serve... As crianças sabem para que serve o dígrafo? O menino me escreveu dizendo que a professora mandou grifar os dígrafos dos meus livros... O que é isso??? Eu não sei o que é dígrafo! O que eu vou fazer com dígrafo? Quem inventou isso? É irracional. Por isso que a criança pergunta “por que tenho que aprender isso?” E a gente não tem resposta... Se a resposta fosse “porque isso vai ajudar naquilo” a criança entenderia. As escolas precisariam ficar mais inteligentes. Já falei para os pais que, em vez de dar presente, comprem uma caixa de ferramentas. Isto é laboratório de física mecânica e a criança adora mexer!
MV: Os pais mimam os filhos com coisas?
RA: Sim, uma forma de se livrar do filho é mimá-lo. Você dá o objeto... Internet é importante, mas também pode ser uma forma de se livrar do filho. A relação do pai, aquela tão boa de ir com filho para cama e contar história. Não importa a história, mas sim a relação... Hoje, os pais tendem a terceirizar a educação. Você não faz a coisa, mas paga alguém para fazer. Você não educa, mas se sente bem porque paga escola cara. Ao fazer isso, não há mais relação. Há um problema porque os pais não sabem o que é educação. Acham que educar é fazer passar no vestibular...
MV: O senhor escreveu um livro...
RA: Escrevi um livro sobre a Escola da Ponte em Portugal, uma escola fantástica. Não tem professor, não tem aula. Uma menina de 9 anos me mostrou a escola... Lá não tem turma, nem campainha, nem prova, nem nota. E como eles aprendem? Eles organizam grupos de 6 pessoas em torno de um tema com ajuda de um professor assessor. Estabelecem um prazo e depois avaliam o que aprenderam. Escola é oficina, onde as pessoas têm interesses e fazem pesquisa. O professor tem que ser companheiro de investigação, ensinar a fazer pesquisa. A escola precisa ser entendida de um jeito diferente. O professor precisa aceitar que não tem responsabilidade de dar só a matéria. Ele tem que ser meio pai e mãe do aluno. A responsabilidade tem que ser na rua também. Ele tem que cuidar do aluno. A missão é mais do que ensinar, é cuidar dos seus alunos. Os professores precisam pensar... Dar atenção especial para determinado aluno para ele se sentir valorizado de alguma maneira... Mas, infelizmente, há uma tendência humana de se afirmar diminuindo as outras pessoas. Isso acontece demais na escola e o professor tem que estar de olhos atentos. O professor tem que proteger o aluno. Os professores não gostam que eu diga isso, mas a escola tem que estabelecer relações: aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Conviver é a coisa mais importante na formação do caráter e na formação da sociedade. Podemos viver com pouco conhecimento, mas não sem conviver. E a escola é espaço para isto. E os professores, os grandes mestres neste jogo.
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ATENÇÃO!!! Em breve, a equipe do Papo de Mãe entrará no estúdio para gravar novos programas. Quem estiver em São Paulo e tenha interesse em participar escreva para [email protected]. Os temas serão os seguintes:
- Atividades infantis
- Literatura
- Mãe depois dos 40 e tratamentos para engravidar
- Crianças desaparecidas
- Bichos de estimação
- Filhos prematuros
Contamos com a participação de vocês!!!
Beijos,
Equipe Papo de Mãe

7 comentários:

Henrique Moura de Barros e Silva disse...

A falta de limites na educação de nossos filhos está trasformando a sociedade em mundo de tiranos, onde a vontade própria atropela o direito dos demais. As crianças é que estão no comando, e não os pais. Como dizer para um adulto que passou a infância no controle da situação familiar que ele deve respeitar normas e respeitar outras pessoas. A falta de respeito pelos pais flui para o restante da vida da criança. "Se não respeito nem meus pais, porque respeita qualquer outra pessoa?"

Henrique Moura de Barros e Silva disse...

Parabéns pela iniciativa e pelo programa. A família e a relação entre pais e filhos deveriam ser abordados de maneira bem mais abrangente em todos os canais de comunicação.
DESEJO MUITO SUCESSO NESTA EMPREITADA!!!

Clarissa Meyer disse...

Obrigada, Henrique, por seus comentários! Você tem toda razão!!!

Aproveitando, tem um trecho da entrevista do Rubem Alves que eu concordo muito: faltam professores com vocação. Professores que passam conhecimento de vida, que passam valores... Isso marca muito a vida de um aluno! Se não temos o exemplo em casa (que seria o ideal), que pelo menos tenhamos na escola...
Bom, pra mim, este programa e esta entrevista fizeram muito sentido...
Parabéns Papo de Mãe, é uma honra trabalhar com vocês!
Beijos!

Vanira Kunc disse...

Mariana e equipe,

Como sempre "Papo de Mãe" é um programa com um conteúdo riquíssimo. Assisto com o olhar jornalístico e com o coração de mãe e, claro, não há como não se emocionar, ou ir além disso: chorar. Acho que pais preocupados não só com os seus filhos, mas com a sociedade em que vivemos, devem acompanhar essas discussões e multiplicá-las. As conversas foram muito profundas e ainda ganhamos no blog a entrevista completa do Rubem Alves que acho que sacou a questão. Colocando em outras palavras, o valentão é aquele que precisa pisar no outro pra se reafirmar e ter a sensação que é maior. Ouvi a professora da PUC falar em Justiça Restaurativa. Minha filha mais velha, a de 21 anos, acabou de concluir, um documentário exatamente sobre esse tema. Esse é um grande caminho a ser seguido em busca da paz. Mas, quero ressaltar, que tem uma outra questão que acontece nas escolas, que também é uma forma de agressão: a omissão. É o comportamento daquela pessoa que não faz nada contra o outro, mas uqe também não faz nada a favor. Vê que ele precisa de ajuda, que precisa de companhia, que está muito só, mas só observa e ignora. Bom, mas acho que isso é papo pra outro programa.Parabén a toda equipe por estar trabalhando em busca de um mundo melhor.

Fernanda Benitez disse...

Olá meninas,

Hj consegui assistir o PAPO todo hehehehe e estava ótimo para variar, a participação das crianças..., muito bom mesmo.
Antigamente os professores eram violentos e repressores, depois acharam a medida, lembro que tinha uma profunda admiração e respeito pelos meus professores, e agora está uma bagunça.
Pais que não educam, pais mal educados, professores sem amor a profissão. Seus salários podem não ser o ideal, mas isso é desculpa, estão sempre fazendo greve, não se dão o respeito, não tem comprometimento. Sabe pq digo que salário é desculpa? Pq aqui no DF professor ganham no minimo 3 mil reais, tem professores que ganham até mais de 7 mil reias, são os mais bem pagos do Brasil e ..... estão sempre fazendo paralizações e não tem comprometimento nenhum com seus alunos, igualzinho aos dos outros estados. Então não é salário, concordam????
Educação tem que vir de casa, concordo plenamente com isso, se vc ver um menino mal criado espere para conhecer o pai... é igual a ele. Vc sabe exatamente como são os pais se conhecer seus filhos. Mas concordo que a escola tem a sua parte na formação do individuo sim. Precisamos reformular nossa maneira de ensinar arcaica, ninguém aguenta mais aulas tradicionais. Precisamos de educação, professores comprometidos, pais responsáveis literalmente por seus filhos, mais gentileza e respeito ao próximo...
E temos que começar ontem, senão não sei o que será de nós.

beijinhos meninas

PAPO DE MÃE disse...

Vanira e Letícia!
Muito obrigada pelas colocações sensatas de vocês!
Continuem participando!!!
Beijos!!!
Clarissa Meyer

Samuel Torres Bueno disse...

É. Rubem Alves tem toda razão em afirmar que a educaço praticada em terras brasileiras não é libertadora. Por aqui, faltam educadores no sentido mais amplo da palavra,faltam pais que saibam oferecer uma liberdade intelectual para os filhos, faltam alunos que questionam, que não desenvolvem a capacidade de utilizar o auto-conhecimento para chegar à essência das coisas do mundo, como diria Sócrates. Parece que o Brasil é "apenas mais um tijolo no muro"...
Quebrando todo esse ufanismo reinante, cada vez mais percebo os alunos copiando tudo na internet...
Cada vez mais vejo alunos usando seus celulares como um medidor de audiência barato...
Cada vez mais vejo que a capacidade de correr o solene risco de pensar filosoficamente é suplantada pela fria propriedade matemática...
Os números, as notas, conteúdos inexistentes na prática da vida dos estudantes, tudo isso acaba levando à um quadro grosteco de acomodação e marasmo.Qual é o valor de uma equação diante o valor de uma reflexão, diante a força dos pensamentos?
Parece, que aqui, não se valoriza pessoas como Rubem Alves. Aqui, se valoriza o corpo, o prazer imediato do hormônio, e a eternidade da alma.