Por Marcelo Tas – Revista Crescer
Hoje vou falar de uma doença terrível que já pegou a minha filha e não desejo para o filho de nenhum de vocês: a adolescência! Calma, eu sei. A CRESCER é revista para grávidas e pais com filhos até 8 anos. O.K., mas garanto duas coisas: uma hora essa enfermidade vai atacar o anjinho de vocês; e tal febre pode ser combatida com uma vacina que deve ser preparada desde já. Mesmo que o futuro adolescente ainda esteja dentro da barriga de mamãe.
O vírus da adolescência é tão mutante e poderoso que até hoje não foi devidamente identificado pela ciência. Os sintomas são claros. A pessoa fica de três a cinco anos sem falar com ninguém! Ou melhor, “ninguém” é modo de dizer. O adolescente fala com todo mundo exceto conosco, os pais. Para não dizer que nada falam, vez ou outra, geralmente para demonstrar insatisfação, soltam uns grunhidos na nossa direção. Não riam. É triste e dramática, a adolescência.
Luiza, minha primeira filha, hoje com 21 anos já curada do doloroso mal, foi atacada pelo vírus, como é praxe, ali pelos 13, 14 anos. De um dia para outro, sem aviso prévio, adquiriu o quadro sintomático. Certa vez, em plena crise, contei: havia 18 pessoas no quarto dela! Anotem o detalhe. Quanto mais intensa a adolescência, mais gente aparece trancada dentro do quarto do adolescente. Não me perguntem o porquê. Parece uma espécie de vigília de solidariedade à solidão.
As reuniões começaram a se suceder com frequência em casa. Isto é, dentro do quarto da Luiza. Todas tentativas de contato com o grupo que parecia comungar de uma mesma religião misteriosa resultavam em fracasso. Bastava eu tocar na maçaneta da porta do quarto para ouvir o já familiar grunhido de reprovação.
Num daqueles dias tensos de lotação esgotada no quarto, um domingo, tive uma ideia. Num gesto de grande ousadia, abri rapidamente uma fresta na porta e atirei umas pizzas, fechando antes que o grunhido me paralisasse. Em poucos segundos, pude ouvir o ruído dos discos de muzzarela sendo devorados pela turba faminta.
Um domingo depois de outro, repeti o gesto da pizza da paz. Com persistência, tentei sem sucesso novas formas de contato com a tribo isolada pela doença – um sorriso silencioso aqui; uma piscadinha dali, um sinal de positivo acolá... Até que um dia, já sem saber o que fazer, enfileirei as pizzas no corredor do apartamento fazendo uma estradinha com as caixas até a sala. Meu gesto foi decodificado pela comunidade do quarto e finalmente, numa noite histórica, nos sentamos frente a frente, pela primeira vez, ao redor da mesa de jantar na sala. Um feito e tanto. Comemos pizza com garfo e faca, bebemos do mesmo refrigerante e até trocamos algumas palavras em português.
A partir daí, a chamada “aborrescência” – termo cunhado pelos pais, é bom que se diga – foi se dissolvendo numa emocionante e estimulante troca de informação e afeto entre mim, Luiza e sua turma.
Meus dois filhos menores, como o filho da maioria de vocês, estão ainda longe da adolescência. Não sei o que me espera, mas estou desde já valorizando e aproveitando cada contato com as tribos de amigos deles que já começam a aparecer em casa. Agora eu sei. A melhor vacina contra, ou seria a favor?, da adolescência dos filhos, em qualquer idade, é inoculada através do contato olho no olho.
*Este texto faz parte da coluna Pai Laboratório da edição 198 (Maio de 2010) da revista CRESCER
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