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Na TV Brasil

terça-feira, 12 de junho de 2012

Filhos mais velhos em casa: Geração Canguru

Os Filhos da Geração Canguru

Por Solange Melo*
 
Mariana Kotscho conversa com a psicóloga Solange Melo
Como ela se deu:
Nos anos 60 e 70, a palavra de ordem junto aos jovens era liberdade. E isso, na prática, significava pôr, literalmente, o pé na estrada o mais rápido possível e, com isso, garantir a sua independência financeira e também a emocional. E para que isso acontecesse, muitos jovens partiam para morar em minúsculos e desconfortáveis albergues ou mesmo passavam a dividir pequenos apartamentos com mais inúmeros colegas, todos na mesma posição.

Para esses jovens, romper valores estabelecidos pela sociedade, e entre eles e as suas famílias, significava ir à busca dos seus sonhos. Isso porque existia entre os dois lados uma distância abismal que, por vezes, inviabilizava o relacionamento. Para eles, era sair ou sair. Não havia outra opção.

As causas desse fenômeno:
Naquela época, o mundo realmente pedia por transformações e o abismo entre as gerações era grande demais. O diálogo praticamente não existia, a repressão imperava na maioria das famílias e o país vivia um momento de intensa censura que invadia a maioria dos lares. Os filhos eram tratados sem muitos direitos e suas opiniões eram pouco ou nada levadas em consideração. Sair de casa era considerado sinônimo de liberdade, de ter voz na sociedade, de ser respeitado. Nem que para isso os jovens tivessem que trocar o conforto da casa dos pais por lugares que nem de longe lembravam um lar seguro e acolhedor.

Os jovens de realidade atual:
Hoje as coisas mudaram e muito. Os filhos de hoje são os filhos dos jovens da geração anterior que, por terem sofrido tamanha repressão, procuram não repetir com os próprios filhos o que eles próprios viveram e sofreram. Dessa forma, na prática, esses jovens da geração atual, já receberam de bandeja, tudo aquilo pelo qual seus pais tiveram que lutar e muito para conseguir: liberdade, respeito, amor, diálogo, entendimento.

Atualmente, os pais dão aos jovens tudo o que eles precisam. E aí então vem a pergunta: por que razões esses jovens precisariam sair da casa dos pais? Na realidade, eles não precisam também pelo fato de que eles não sentem que moram na “casa dos pais”, mas sim, na sua “própria casa”!

Dois tipos de filho canguru:

Existe aquele filho que participa da vida familiar, contribui financeiramente dentro da sua possibilidade com as despesas da casa e que ajuda nas tarefas domésticas.

Mas existe também aquele filho que em nada ajuda ou contribui na casa e na vida familiar, só se beneficiando, em todos os aspectos, do conforto e das mordomias dessa casa. É o famoso “parasita”, que só visa as suas próprias necessidades.

Fatores que contribuem para que os filhos não queiram sair da casa dos pais:
Falta de limites: Pais que cresceram lidando diariamente com a opressão, quando se tornaram pais, não conseguem ou não querem dizer “NÃO” para seus filhos, deixando-os sem limites e contribuindo para que eles se tornem pessoas invasivas e desrespeitosas para com o outro. Esses filhos, então, não sabendo viver em sociedade, buscam a proteção da casa dos pais, pois nela e deles só receberão o “SIM”.
Lamentavelmente, para muitos pais, proibir passou a ser visto como traumatizante, o que é um grande erro, já que o “NÃO” ajuda a educar e a por limites. Na prática, o que vemos é: derrubou-se um modelo e não se colocou nenhum outro no lugar. E o resultado disso é que os pais perderam a autoridade diante dos filhos.

Superproteção: Preocupados com a violência, que é galopante na nossa sociedade, os pais estimulam a permanência dos filhos dentro de casa e esses, amedrontados, acabam concordando. Mas a violência social não é certamente a única razão para isso. Especialmente a mãe, com seu vínculo forte em relação aos filhos, acaba tomando uma postura de maior cuidado, no intuito de defender sua cria.

Sentimento de culpa por parte dos filhos: Embora desejando sair de casa para viverem novas experiências e amadurecerem como pessoa, muitos filhos se sentem como se estivessem abandonando seus pais, em especial quando esse filho é único ou quando o pai ou a mãe com quem mora é separado. Isso acaba gerando muito sentimento de culpa, numa ambivalência de sentimentos.

Preparo para o futuro: Muitos filhos demoram a sair da casa dos pais por estarem se preparando profissionalmente para o seu futuro através de cursos, especializações e mesmo por estarem juntando dinheiro para, no futuro, comprarem seu próprio imóvel.

Dependência emocional dos filhos: Medo da distância, da solidão, de não conseguir se sustentar, de não conseguir organizar um lar. E, muitas vezes, o medo de crescer - a isso, damos o nome de “Síndrome de Peter Pan”.

Qual a melhor hora para se sair de casa?
A idade da razão um dia chega e para todos. Observá-la com calma e com critério é de fundamental importância para todos. A “síndrome da autossuficiência” é, na realidade, uma grande bobagem. Tudo tem a sua hora e a pessoa percebe que esse momento chegou no momento em que se percebe realmente maduro para seguir seu próprio caminho. Antecipar ou adiar esse momento certamente trará prejuízos para a vida e, como consequências, marcará de forma negativa a autoestima do indivíduo.

O bom filho a casa torna:
Vemos na nossa sociedade muitos casos de filhos que saíram da casa dos pais porque se casaram ou porque foram em busca de uma independência maior e que, depois de um tempo, voltaram. Alguns por separação, outros por desemprego ou por outra razão qualquer. Muitas vezes, esses filhos, ao voltarem, trazem também seus filhos. Em alguns casos, isso acaba trazendo para os pais uma sobrecarga de trabalho e de responsabilidade até mesmo em relação à educação dos netos.

Características dos pais de filhos cangurus:
- Excesso de mimos em relação aos filhos.
- Liberalidade (não proíbem nada).
- Respeitam totalmente a individualidade dos filhos.
- Nunca entram em conflito com os filhos.
- Inconscientemente, alguns são dependentes dos filhos (temem pela separação).

Dicas para o filho (a) que deseja sair da casa dos pais:
- Monte um espaço que seja a sua cara, que tenha o seu jeito, que reflita a sua identidade.
- No início, passe horas lá sozinho (a) e vá aumentando gradativamente esse tempo.
- Vá aos poucos levando as suas coisas para lá.
- Leve seus pais para conhecer o local e peça a opinião deles sobre o mesmo.
- Escolha um local que esteja próximo à casa dos seus pais.
- Após se mudar, visite sempre seus pais, telefone sempre para eles e os convide sempre para a sua casa.

Cordão umbilical:
Nas gerações passadas, ele era cortado de forma brusca, o que, muitas vezes, causava grandes e irreversíveis danos. Hoje em dia, esse corte é feito de forma gradual, mas ele deve ser feito. O sinal de perigo é quando um jovem, depois dos 40 anos, se sente totalmente incapacitado de planejar a sua própria vida, não trabalha, não estuda e começa a se sabotar afetiva e profissionalmente.

Reflexões finais:
A maturidade de um indivíduo depende basicamente de três fatores:
1 - A capacidade de prover o próprio sustento.
2 - A capacidade de contribuir ativamente com a vida familiar ou com o social. Ex: fazer compras no supermercado, lavar o carro, colocar o lixo fora, lavar a louça.
3 - A capacidade de estabelecer relações afetivas saudáveis e estáveis. (Namorico é coisa de adolescente. Namorico na idade adulta é sinal de imaturidade).

Permanecer ou não na casa dos pais é uma questão que deve contar com a opinião dos dois lados, mas o mais importante é que o relacionamento entre pais e filhos seja sempre baseado no respeito, na admiração, na confiança e no amor.


*Solange Melo é Psicóloga, Psicanalista e Psicoterapeuta de adultos, casais e famílias em São Paulo, e Diretora Clínica do Gabinete de Psicologia. Participou como especialista convidada do Papo de Mãe sobre “Filhos mais velhos em casa”, exibido em 10.06.2012. Contato: [email protected]

5 comentários:

Ana Babamarley disse...

AMEI ESTA MATÉRIA, ME IDENTIFIQUEI COMO FILHA DE UMA GERAÇÃO GANGURU.TENHO SIDO ACERTIVA COM MUITA COISA, MAS OUTRAS PRECISO MUDAR URGENTE...E A INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA É UMA DAS PRIMEIRAS.

Ana Babamarley disse...

Amei esse tema, me identifiquei como filha da geração canguru...me ajudou a refletir sobre o quanto tenho sido acertiva em muitas coisas, mas em outras preciso mudar com urgência, parabéns Prog.Papo de mãe e dra.Solange.

Adriana Ranzi Curioni disse...

Olá Reportagem muito boa!! Vou refletir uns conceitos meus rsrs. Venham conhecer meu blog sobre filhos.
Um abraço!
http://minhamaricotamaricotinha.blogspot.com.br/

Anônimo disse...

Muito bom, mas notei algo que SEMPRE falta nas análises do filho-canguru: a dificuldade do mercado de trabalho atual.
Na época dos meus pais, com um salário mediano (alguém com curso médio concluído - caso do meu pai), você conseguia ter um padrão de vida ok, com casamento, filhos, um apartamento e um carro (imóvel próprio). Não seria uma vida de luxo, mas certamente dava para viver bem. Hoje em dia o salário mal paga o aluguel de uma casa em bairros distantes, que está beirando os 800 reais. Somando a isso despesas como água, luz e supermercado (o básico, para começar), já ultrapassa em muito o meu salário com curso superior. Para financiar um imóvel, pode contar que pagará umas 3 vezes o valor dele (um apartamento de 2 quartos à vista chega a 250 mil em bairros a cerca de 1h do centro com trânsito). Conseguiria pagar as prestações de um carro, mas não conseguiria mantê-lo.
Essa relação - do filho que quer sair e sabe que não consegue, é muito ruim, é conflituosa e gera grandes danos na auto-estima do filho (que pioram quando os pais não entendem o cenário completo). Alguns realmente não entendem e consideram o filho preguiçoso ou aquém da média. Gostaria muito de ler algo abordando essa "maldição" da geração canguru.
Um abraço!
Tatiana

Anônimo disse...

Como se encaixa a pessoa que por uma grande necessidade teve que ser arrimo de família desde muito cedo (mais ou menos com 14 anos) e se viu obrigada a deixar de lado seus sonhos, entre eles o de morar sozinha, pois a vida lhe deu apenas duas escolhas deixar que sua família caísse na mais absoluta miséria e pensar só nela, ou optar em morar com os pais e cuidar de sua família, procurando manter um padrão razoável de vida para todos, mesmo tendo consciência que isto poderia lhe trazer alguns tipos de problemas, por isso gostaria de saber se esta pessoa se encaixa na geração canguru, já que se inverteram os papeis e desde cedo teve que tomar conta da casa, em todos os aspectos principalmente no socio-econômico.